Apoio do Sindicato dos Jornalistas e contexto de superação de golpe presidencial, com retomada de estado de direito, tornam o caso da extinção do processo contra ex-repórter do Jornal Já, há quase sete anos, um exemplo de resistência.

 

A manhã do feriado do Dia do Trabalhador, 1º/5, acordou o jornalista Matheus Chaparini com uma notícia alvissareira. Bem cedo, seu telefone tocou para avisá-lo de que a juíza Eda Salete Zanatta de Miranda, da 9ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, decretara, na sexta-feira, 28/4, a extinção de uma injustiça.

 

Fazia sete anos que a vida pessoal de Chaparini era um tormento, desde que ele fora preso pela Brigada Militar, na manhã de 15 de junho de 2016, durante a cobertura da ocupação do prédio da Secretaria da Fazenda (Sefaz) por estudantes secundaristas, no Centro de Porto Alegre.

 

A assinatura da juíza trouxe alívio, mas não extingue o constrangimento das algemas, não restabelece a saúde e nem o estrago à figura pública de um jornalista preso e enviado ao Presídio Central, num contexto de golpe presidencial e de estrito cumprimento de direito constitucional. Por meio de seu perfil no facebook, Chaparini exaltou o alívio pela extinção do processo e fez ressalvas em postagem da quarta-feira, 2/5. “Não é o desfecho que eu gostaria, tampouco o que considero justo. Eu e minha defesa jurídica lamentamos não termos tido a oportunidade de apresentar em juízo todo o farto material que comprova a minha inocência e o absurdo que foi a prisão de um jornalista em pleno exercício da profissão e devidamente identificado”, ponderou.

 

Desabafo de Chaparini no facebook: https://rb.gy/68koy

 

O repórter também agradeceu, publicamente, a atuação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul – SindJoRS – em seu caso. “Um salve também pro Sindicato dos Jornalistas do RS, que me proporcionou uma excelente defesa jurídica e ao Dr. Marcelo Bidone. Seguimos em frente! Liberdade cantou!”

 

Uma injustiça no cumprimento de missão constitucional

 

Chaparini saíra de casa às 7h da manhã para trabalhar no Jornal Já Bom Fim como, habitualmente, fazia nas quintas-feiras, há quase sete anos. Já havia escrito reportagens sobre jornadas de lutas de movimentos sociais e manifestações de resistência contra a tentativa de golpe desferido à então presidenta Dilma Rousseff (PT), que se processava no país. Carregava exemplares impressos do Jornal Já. Acompanhava e visitava escolas ocupadas.

 

Uma jornada de ocupações de estudantes em escolas por todo o Estado afirmava o interesse público da pauta jornalística. Na manhã de quase sete anos atrás, ele passava pela frente da Secretaria da Fazenda, no Centro de Porto Alegre, e viu que havia um movimento de estudantes. Logo percebeu que estava diante de uma ocupação. Foi verificar. Assim que entrou, foi perseguido por brigadianos e viu-se algemado mesmo tendo se identificado como jornalista e estando no pleno direito constitucional de estar presente diante do fato noticioso. Outras cerca de 40 pessoas também foram presas.

 

“Sou jornalista, estava trabalhando, cobrindo fato de indiscutível relevância social e jornalística”

 

O jornalista ficou preso por 14 horas. Chegou a permanecer no Presídio Central. Sua prisão mobilizou a comunidade jornalística do Estado e do País e expôs o caráter autoritário do governo de José Ivo Sartori (MDB), em contexto de golpe que se configuraria com a saída da presidenta Dilma Rousseff, em 31 de agosto, da presidência da República, pouco mais de dois meses depois da prisão.

 

 

Na quarta-feira passada, 2/5, Chaparini deveria comparecer à 9ª Vara de Justiça para audiência. Nem foi preciso. A juíza considerou o processo contra Chaparini prescrito desde 2019, uma vez que a pena máxima, em caso de condenação, previa a cumprimento de seis meses, com prescrição em três anos. “Além das testemunhas, que reafirmam o óbvio: sou jornalista, estava trabalhando, cobrindo fato de indiscutível relevância social e jornalística, agindo dentro da legalidade”, escreveu Chaparini em seu perfil no facebook.

 

Vitória mostra a importância dos jornalistas na defesa da democracia

 

O ex-presidente do SindJoRS, Milton Simas, mobilizou todos os recursos disponíveis e liderou o processo de defesa política de Matheus Chaparini. Era preciso dar visibilidade ao absurdo da ilegalidade da prisão e garantir direitos de um colega ameaçado no exercício de sua profissão. “É um reconhecimento tardio de que o Chaparini estava trabalhando. O ex-governador Sartori e aqueles que o levaram à prisão jamais reconheceram e vieram pedir desculpas ao colega”. Nosso Sindicato esteve ao lado do Chaparini e não mediu esforços para fazer a justiça e desconstruir as acusações infundadas que recaiam sobre o jornalista”, destaca Milton.

 

A atual presidenta do SindJoRS, Laura Santos Rocha, considera a extinção do processo do jornalista Matheus Chaparini um exemplo de luta justa e que demonstra a importância do trabalho dos jornalistas em defesa da democracia. “Ter o processo do jornalista Matheus Chaparini extinto é uma vitória para toda a nossa categoria, especialmente depois de seis anos de ataques e violências a que fomos submetidos”, ponderou Laura.

 

O secretário de Comunicação da CUT-RS ressalta que a extinção do processo traz uma sensação de alívio e vitória. “Foi uma prisão sem provas, ocorrida quando o Brasil sofria o golpe de 2016. O absurdo processo foi mantido ao longo de todos esses anos em que resistimos e sobrevivemos aos ataques dos governos Temer e Bolsonaro, aqui respaldados por Sartori e Eduardo Leite”, compara. “A extinção do processo acontece nos primeiros meses do governo Lula, que reacendeu a esperança no estado democrático de direito, na retomada dos direitos dos trabalhadores e na defesa da democracia”, salienta Ademir.

 

2.875 dias de apreensão, injustiças e resistência

 

15/6/2016: O repórter Matheus Chaparini, do Jornal Já, é preso junto com outras 46 pessoas (37 delas menores de idade), durante a ação de desocupação do prédio da Secretaria da Fazenda (Sefaz) pela Brigada Militar.

16/6/2016: Após deixar o Presídio Central, Matheus Chaparini faz relato das cerca de 14 horas de prisão em entrevista ao repórter Luís Gomes do Sul21. https://rb.gy/dhr2p

16/6/2016: Nota da Secretaria da Segurança Pública expõe confusão e ignora que Matheus Chaparini se identificou como jornalista dentro do prédio da Sefaz. “A prisão em flagrante foi efetuada porque, durante todo o tempo, ele estava dentro do prédio invadido, agindo como integrante do grupo militante que praticou a invasão.”

17/6/2016: Diante do Palácio Piratini, jornalistas fazem ato em apoio a repórter Matheus Chaparini. https://rb.gy/1dgzw

22/6/2016: “Sartori deve pedir desculpas a jornalista do ‘Já’ preso” , diz deputado Adão Villaverde (PT), ao se manifestar na tribuna da Assembleia Legislativa.  https://rb.gy/c78u5

20/6/2016: O presidente da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul (OAB-RS), Ricardo Breier, encaminhou, na última segunda-feira, ofício para a Corregedoria-Geral da Brigada Militar pedindo providências sobre a prisão do jornalista Matheus Chaparini. https://rb.gy/762xm

28/4:2023: A juíza Eda Salete Zanatta de Miranda, da 9ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, extingue o caso da prisão do jornalista Matheus Chaparini por prescrição de aplicação de pena.

1º/5/2023: Chaparini recebe a notícia de que seu processo foi extinto e que está livre da acusação de crime de dano qualificado por cobrir ocupação da SEFAZ em junho de 2016.

2/5/2023: Em seu perfil no facebook, conta que fora acordado no Dia do Trabalhador, 1º/5, com uma “boa notícia” e anuncia: “Liberdade cantou! Está extinto o processo decorrente da minha prisão em 2016!”. https://rb.gy/oz6fg

 

Texto: Clóvis Victória Júnior / diretoria SindJoRS

Fotos: Juliana Berwanger/SUL 21