A diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS – Sindjors lamenta o falecimento, aos 82 anos, do jornalista Luiz Arnim Schuch, ocorrido nesta segunda-feira (05), e presta seus sentimentos aos familiares neste momento de dor e tristeza. O profissional atuou na Folha da Tarde, onde iniciou em 1969, e no Correio do Povo, onde trabalhou por décadas. Depois de prestar serviços também na Empresa Brasileira de Notícias, antiga Radiobras, e no jornal Zero Hora, voltou ao Correio do Povo, terminando sua carreira em veículos em 2011.

 

Segue, abaixo, a homenagem do seu filho, Bernardo Mata Schuch, que agradece imensamente aos ensinamentos recebidos deste mestre.

 

“Fiz de tudo um pouco no jornal, de repórter a editor, passando pelas editorias de Ensino, Economia, Mundo e Geral”, lembrou Schuch na época em que deixou o jornal, aos 70 anos, para se dedicar à família. Nos últimos tempos, o jornalista enfrentou problemas de saúde, como dois AVCs e um câncer no pâncreas, que desenvolveu metástase. A cerimônia de despedida começou ontem às 22h e se encerra hoje, às 14h, no Crematório Metropolitano.

 

Mesmo sob um cruel cerco do adversário, ainda reagrupou forças para jogar uma defesa de manual. Lutou com todas as peças que lhe sobraram. Desvencilhou-se de mais de duas dezenas de poderosos xeques da quimio, sempre com a cinquentenária proteção da sua leal rainha.

 

Meu mestre não poupou suor nem ensinamentos aos que dele dependiam.

 

Um periodista raiz e correto, mancheteiro dos bons. Sentiu-se, orgulhosamente, durante décadas, o próprio Correio do Povo. Para mim, era o “homem sem final de semana”, mas tudo bem, depois ele arrumava uma siesta curtinha para amenizar as noites mal dormidas. E aí que tá, nas poucas folgas que conseguia ele compensava tudo: criava esportes geniais e articulava jogadas familiares que faziam o congraçamento geral. Preparava um novomilk especial pras madrugadas de Piquet e Senna na F1, impossível não curtir com ele. Me manteve acordado para ver o mundial do Grêmio, nem era o seu time, mas era notícia. Alemão clássico, foi austero em boa medida. Filho de catequista, comandava nossa reza de mãos dadas no Natal.

 

Discreto, sua estratégia preferida era mesmo manejar as pretas, para “furar” a pauta e surpreender a todos com truques e gambitos. Adorava optar por um “roque” protetivo, e nas horas certas sempre esteve presente, iluminando e incentivando.

 

Certa vez consegui arrastar o véinho para a Olimpíada no RJ, onde testemunhou ao vivo tudo do atletismo, outra das suas paixões. Não se mixou para a distância e o trem pro Engenhão, ele que era do tempo dos bondes de Poa. Lembro que os jogos coincidiram com um finde de dia dos pais, foi um momento bem legal nosso.

 

Avesso ao cel, ultimamente enviava manuscritos com historinhas próprias, pelos correios, só para estimular a leitura das pequenas em BH.

 

“Vovô é consertador”, segundo a Maitê e a Ísis. Elas mal sabem que ele foi muito mais. Me ensinou a pegar jacaré no timing perfeito. A dar bicicleta na onda mais pro fundão. A parar de dar carrinho na bola e a dominá-la de calcanhar, só para citar algumas coisas extremamente relevantes. Pois é, o vovô também sobreviveu ao tétano e a um capotamento em serviço. Passou trancafiado no Covid, disciplinado, não tirava a máscara nem dentro de casa. E ainda arrumou energia, em plena batalha contra as metástases, para reencontrar o passado no bairro Navegantes e louvar o seu amado GE Renner, o papão de 54. Aliás, o time de botão dele era terrível: Jueci, Juarez e Sabiá, três atacantes faceiros e uma máquina peladeira que me complicava sempre, ainda que eu não lhe desse sequer um cavador decente.

 

Isso tudo sem contar o “estatundaranduré”, a única corridinha de botões miniaturas do mundo, desenhadas com todo o capricho em pistas caseiras de madeira, inesquecíveis botódromos, recheados de pregos traiçoeiros, tabelas mágicas de ultrapassagens e muita rivalidade familiar. Verdadeiros gols de placa esses campeonatinhos.

 

Mas aí ocorreu o seguinte: nos nossos últimos embates enxadrísticos, nesse 2022, ele não me liquidou, ali já estranhei. Tivemos uma sequência angustiante de empates, marcados por aquele silêncio respeitoso que carimbou toda a nossa relação. Eis que chegou uma peleia decisiva, agendada para o palco principal, o Maracanã em marchetaria acreana que leva o seu nome. Tive então uma vitória muito bonita, à lá Luiz, feito raro meu sem a usual vantagem das brancas. Sinal claro de fadiga do professor. Na real acho que ele até comemorou, como se dissesse, “finalmente parece que ele aprendeu”.

 

Sequestrado, semanas depois, pelo próprio cérebro, ainda resistiu, com muita educação e dignidade, típicas do “Lóide” da Santa Cecília, carinhoso apelido herdado lá da fanfarronice da infância, passada com os seus melhores amigos no “morro da guampa”.

 

Em um dos seus derradeiros movimentos de lucidez, ombreado no hospital aqui pelo peão caçula, me perguntou, baixinho:

 

-“Por que tu tá chorando?”.

 

Eu não conseguia parar de chorar. Até que saiu, aos prantos:

 

– “Tô chorando porque tu foi um Pai muito bom pra mim, o melhor que eu poderia ter tido.”.

 

– “Tá bom.”, suspirou com dificuldade.

 

-“Vou tentar ser ainda melhor para as meninas.”, prometi.

 

-“Isso.”, murmurou.

 

Essas foram as palavras mais coerentes que troquei com o meu pai nessa linha de chegada. Depois, a bem da verdade, ainda pude desfrutar de alguns outros lampejos típicos dele (“tô mais pra lá do que pra cá…é do jogo..”), antes do exército inimigo atacar novamente, com mais dois AVCs. Vivemos dias cinzentos, duros, com muitas memórias, medos e portais afetivos.

 

Virei, então, mais um ouvinte atento do seu realismo mágico, além do seu fiel contrabandista de chocolates, escondidos na gaveta atrás do leito e levados em sprints de 100m rasos diretamente pra sua boca, nas brechas da troca da guarda.

 

Por fim ele ainda se emocionaria comigo, choraria um monte. Eu nunca tinha visto meu pai chorando, isso foi realmente triste. Acho que na geração dele homem não podia chorar. Me restou a sensação de que ele ainda gostaria de cobrir mais uma Copa do Mundo ao lado dos seus.

 

O duro match, que já vinha se alastrando faz 18 meses, como se fora uma exaustiva simultânea de despedida, agora entrava na sua reta final.

 

Após avistar a bandeirada dos seus 82 anos, numa pilotagem incrível e amorosa, cinco marcapassos trocados nos boxes, o Rei tombou. Rendeu-se hoje, cinco de setembro, elegantemente, apenas à beira do xeque-mate. Desligou o cockpit, cumprimentou o vencedor e “adeus tia chica”, como ele costumava dizer.

 

Vai, Pai, descansa em paz, tens o respeito da plateia, da arquibancada, do estádio todo.

 

Foi um privilégio único, Luiz Arnim Schuch, ter feito parte desses teus tabuleiros, pistas e campinhos.

 

Te amo, e sempre te amarei.”.

 

Texto: Bernardo Mata Schuch