Sul21 Especialista em administração financeira, Gerson Carrion tem 40 anos de atuação no setor elétrico estadual e nacional. Foi diretor financeiro e de Relações com o Mercado da CEEE de 1992 a 1994.

 

Entre 2011 e 2015, ocupou os cargos de Diretor Financeiro e de Relacionamento com Investidores e de Diretor Presidente das Empresas Públicas do Grupo CEEE (CEEE-D; CEEE-GT e CEEE-Par). Diretor Econômico-Financeiro da ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, 2003/2004 e vice-presidente de Finanças e Controles Internos dos Correios, em 2015, também experiência no setor de fundos de pensão como Diretor Administrativo da Fundação CEEE entre 1987 e 1988, Diretor Financeiro da entidade de dezembro de 2008 a dezembro 2010 e Diretor Presidente em 2017.

 

Assessor Técnico das Frentes Parlamentares Estadual e Nacional pela Renovação das Concessões do Setor Público de Energia Elétrica de 2010 a 2018, atualmente, é assessor técnico da Frente Parlamentar pela Preservação da Soberania Energética Nacional (2018 a 2022). Na avaliação dele, há soluções para a crise enfrentada pela CEEE que passam longe da privatização.

 

Para Carrion, há fortes indícios de práticas de gestão temerária reincidente na irresponsabilidade fiscal e descuidada em cumprir com as obrigações do Contrato de Concessão de Distribuição, demonstrando, segundo ele, estar em curso um planejamento arquitetado em definhar a CEEE-D a ponto de tornar compulsória e irreversível a sua privatização a preço vil.

 

Confira entrevista concedida por ele, por e-mail, à reportagem da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública.

 

União Gaúcha – Qual a sua avaliação quanto à decisão do governo de privatizar a CEEE?

Gerson Carrion – Lamentavelmente, assim como o governo Sartori, o governo Leite decidiu açodadamente, descuidadamente e sem fundamentação técnica privatizar as Empresas Públicas do Grupo CEEE, CRM e SULGÁS, cometendo um crime lesa Estado e lesa Pátria ao acabar com a matriz energética sob controle do Estado em 100%, eliminando, com a privatização, empresas públicas estratégicas para o desenvolvimento de uma política pública energética comprometida em garantir a infraestrutura energética com segurança, confiabilidade e qualidade para retomada e recuperação do crescimento econômico e social sustentável do Estado.

 

A privatização em curso revela o imperativo da ideologia de um governo que obstinadamente busca a imposição e implantação de um modelo ultra neoliberal do Estado mínimo, zero ou negativo, em extinção mundialmente, em áreas estratégicas e soberanas como a da energia, num retrocesso histórico, sem precedentes, de toda a população gaúcha ficar sujeita aos malefícios comprovados do monopólio privado nos serviços públicos essenciais de energia elétrica.

 

União Gaúcha – O senhor considera que o Estado está agindo de forma planejada para facilitar a privatização?

Gerson Carrion – Sim. Os movimentos são claros e explicitados, publicamente, de forma reiterada pela equipe de secretários de Estado do governo Leite envolvidos diretamente com a pauta de privatização, assim como pelo próprio presidente das Empresas Públicas do Grupo CEEE, sem qualquer constrangimento.

 

Pelo contrário, o método adotado é o mesmo praticado pelo governo Bolsonaro de, oportunamente e nocivamente, aproveitar a crise da saúde pública da pandemia do coronavírus e “passar a boiada”, atropelando e acelerando, ao máximo, o cronograma de privatização a qualquer custo ainda para o ano de 2020. Pasme, sob o olhar míope e um silêncio estranho dos órgãos de fiscalização e de controle social de Estado.

 

Por exemplo, o governo Leite elegeu como decisão prioritária de gestão no Grupo CEEE, reiteradamente, se apropriar indevidamente e ilegalmente dos recursos do ICMS cobrado dos consumidores nas contas de energia, como fonte principal de recursos financeiros para manter e operar a concessão, a custos leoninos e abusivos de multas e juros, aumentando exponencialmente a dívida da empresa de forma irresponsável. Além disso, com essa política, prejudica e agrava a crise financeira dos municípios, que não recebem a sua parcela de recursos a que têm direito sobre o ICMS das contas de energia, precarizando, e muito, o atendimento às prioridades da população com saúde, segurança e educação, principalmente a saúde do povo gaúcho em tempos de pandemia.

 

Somente com isso, já teríamos fortes indícios de práticas de gestão temerária reincidente na irresponsabilidade fiscal e por demais descuidada em cumprir com as obrigações do Contrato de Concessão de Distribuição vigente, podendo, assim, caracterizar um lesivo, nocivo e criminoso processo de caducidade da concessão, com fortes indícios de enquadramento no rigor da Lei n° 12.767/2012, de responsabilização pessoal de todos os gestores da Governança Superior do Grupo CEEE (diretores e conselheiros), algo inusitado e sem precedentes na história da infraestrutura energética do Estado.

 

Neste contexto, há uma pergunta que se impõe: o que estão fazendo os órgãos de controle social – TCE, MPEC, MPE, TCU, MPF, CGU, MME, ANEEL e AGERGS? Estão cegos, silenciosos, omissos? Quais as razões para ausência de investigações e auditorias especiais dos órgãos de controle social em defesa do interesse público da população gaúcha? A sociedade aguarda uma resposta.

 

União Gaúcha – A CEEE acumula uma dívida de mais de R$ 3 bilhões em ICMS, que inviabiliza o equilíbrio financeiro da empresa. Há solução para este problema?

Gerson Carrion – Em primeiríssimo lugar, temos que exigir dos órgãos de controle social como TCE, TCU, MPCE, MPE, MPF e CGU, uma urgente e profunda auditoria especial nos órgãos de Governança Superior das Empresas Públicas CEEE-D e CEEE-GT, do Grupo CEEE, auditando as decisões e deliberações da Diretoria, Conselho de Administração e Conselho Fiscal no período de 2015 a 2020, que aprovaram a apropriação indébita e sonegação do ICMS, por tão longo período chegando ao expressivo montante superior a R$ 3 bilhões de dívida acumulada por inadimplemento e retenção dos repasses do ICMS ao Tesouro do Estado.

 

União Gaúcha – E há solução para este problema?

Gerson Carrion – Sim! Evidente que passa por toda a Governança Superior das Empresas Públicas do Grupo CEEE querer efetivamente rever o seu planejamento ideológico de precarizar e definhar as operações do Contrato de Concessão da CEEE-D, ao ponto de priorizar e focar, cegamente, em privatizar a qualquer custo, ou melhor, a qualquer preço vil, assim trilhando fortemente o caminho da irresponsabilidade fiscal, com um aumento exponencial e sem limite da dívida do ICMS, que cresce mensalmente de forma descontrolada, formando, cumulativamente, um passivo danoso da pior espécie e de complexa solução.

 

A primeira das soluções seria honrar a Cláusula do Contrato de Concessão que obriga o Acionista Controlador – Estado a aumentar o capital para manter o equilíbrio econômico da concessão. Ou seja, transformaria grande parcela da dívida de ICMS em aumento de capital, o qual retornaria aos cofres públicos nos próximos 10 anos na forma de dividendo ao acionista majoritário e minoritários.

 

Na esteira das soluções para as Empresas Públicas do Grupo CEEE, ressalto que, na condição de Assessor Técnico das Frentes Parlamentares Estadual e Nacional em Defesa da Manutenção e Fortalecimento das Empresas Públicas CEEE-D e CEEE-GT, elaborei, no ano de 2017, uma Nota Técnica que expõe diversas soluções para a recuperação técnica e financeira das Empresas Públicas do Grupo CEEE, entregue ao governador Sartori, aos parlamentares e Diretoria do Grupo CEEE.

 

Saliento que praticamente 100% das propostas são válidas atualmente para o governo Leite, pois não foram adotadas e implantadas pelo governo Sartori. Destaco, sumariamente, da Nota Técnica, três soluções estratégicas de fortalecimento das Empresas Públicas CEEE-D e CEEE-GT: desinvestimento, total ou parcial, de participações acionárias da CEEE-GT em empreendimentos com a iniciativa privada e pública, as chamadas de SPEs – Sociedades de Propósitos Específicos, em número de 15.

 

Essa medida estratégica consta do Projeto de Lei nº 436/2019, de autoria do deputado Eduardo Loureiro (PDT/RS) em tramitação na Assembleia Legislativa, que define claramente o que fazer, por que fazer, como e quanto fazer. Já que querem privatizar, então, comecem a vender as participações acionárias nas SPEs.

 

Para visualizar a dimensão dessa proposta, o valuation conservador, em 2014, desses empreendimentos, resultou no valor expressivo equivalente a R$ 1,2 bilhão. Hoje, de forma conservadora, se fossem vendidas essas SPEs, a CEEE teria como arrecadar aproximadamente a expressiva quantia de R$ 1,5 bilhão. Ou seja, há muito tempo, desde 2016, essas alienações poderiam ter sido feitas, contribuído para aumentar o capital da CEEE-D, evitando e mitigando a formação de dívida danosa e perversa como o ICMS.

 

Outra solução extremamente relevante é a Ação Judicial, chamada de CRC 2, que, ao término da minha gestão como presidente do Grupo CEEE, no ano de 2014, ajuizei, estando em tramitação, no valor estimado e atualizado de expressivo R$ 10 bilhões. Soma que resolveria os problemas financeiros da CEEE e do Estado.

 

A nossa convicção de êxito nessa ação judicial é pelo fato relevante de termos vencido uma ação contra a União de mesmo objeto, interpelada por mim em 1993, na condição de diretor financeiro da CEEE e, que durou aproximadamente 20 anos, formando uma robusta jurisprudência, de valor já recebido no ano de 2012 de aproximadamente R$ 4 bilhões. A terceira solução estratégica do nosso sumário da Nota Técnica é o Projeto de Lei nº 308/2015, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS), que tramita na Câmara dos Deputados com parecer favorável na Comissão de Mérito da CME – Comissão de Minas e Energia.

 

O PL é chamado de CRC 3, pois também envolve a questão da CRC no ano de 1993. Na época, foi feito um grande encontro de contas no setor elétrico nacional entre as concessionárias e a União, sendo que o governo federal decidiu por Medida Provisória aplicar o redutor de 25% de Imposto de Renda nos créditos das concessionárias. Mostramos que a medida era inconstitucional na ocasião.

 

 

Neste contexto, o projeto de lei nº 308/2015 visa recuperar parcialmente o equilíbrio econômico e financeiro das concessionárias prejudicadas com a aplicação do redutor de Imposto de Renda de forma injusta e não isonômica. Tal injustiça penalizou a CEEE na década de 1990. Esse PL, se aprovado, equivale ao montante expressivo de R$ 4 bilhões, resolvendo a situação financeira do Grupo CEEE, bem como proporcionando a recuperação da sua capacidade de investimentos na planta elétrica. Concluindo, se somarmos os valores expressivos das três soluções apresentadas, chegamos ao total significativo de R$ 15,5 bilhões. Ou seja, resolve ou não a gravíssima situação financeira da CEEE-D e a crise aguda das finanças públicas do Estado?

 

União Gaúcha – O que é esta ação?

Gerson Carrion – Trata-se de uma “Ação Declaratória com Pedido Indenizatório” que, na condição de presidente das empresas públicas CEEE-D e CEEE-GT, tive a honra de protagonizar e mover na Justiça Federal em Brasília contra a União e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em dezembro de 2014, pelo fato relevante, de não reconhecimento dos custos dos valores pagos aos ex-autárquicos (por força de Lei Estadual nº 4.136 de 13 de setembro de 1961, – Lei de criação da CEEE, como sociedade de economia mista), na tarifa, do período de 1993 até a presente data.

 

Custos estes que acabam contribuindo, consideravelmente, para o desequilíbrio econômico financeiro dos Contratos de Concessões de Distribuição, Transmissão e Geração, em razão de drenarem recursos financeiros do caixa das empresas, sem contrapartida de reconhecimento na tarifa pela Aneel. É importante registrar que os valores pagos aos ex-autárquicos até os dias de hoje independem dos mesmos estarem na ativa ou não.

 

Ou seja, por força de lei, estão vinculados à folha de pagamento com todos os seus direitos preservados de perceber vantagens dos acordos coletivos firmados pelo Grupo CEEE com os seus trabalhadores na ativa. Esta ação, como já mencionado, monta hoje o valor estimado expressivo de R$ 10 bilhões, significando a redenção e plena recuperação da saúde financeira das empresas públicas CEEE-D e CEEE-GT, além do que poderá contribuir de forma efetiva para o Estado sair da situação agonizante das suas finanças públicas, mediante uma operação de socorro financeiro em montante superior a qualquer espaço fiscal de endividamento proporcionado pelo lesivo e inconstitucional Regime de Recuperação Fiscal, imposto leoninamente ao Rio Grande do Sul pela União, que, se assinado e implantado, escravizará, por um longo período, as futuras gerações de gaúchas e gaúchos.

 

Tenho certeza no êxito dessa ação judicial pelo simples fato de já existir uma jurisprudência consagrada decorrente de ação que tive a honra, na condição de diretor financeiro da CEEE, de idealizar e ingressar no ano de 1993, de idêntico objeto, em que a CEEE saiu vitoriosa.

 

Depois de um longo período de quase duas décadas de tramitação e debate jurídico intenso, transitou em julgado a decisão final de reconhecer à CEEE o direito de lançar como custo do serviço, nos exercícios de 1981 a 1993, ou seja, na tarifa, para fins de ajustes na Conta de Resultados a Compensar, os valores relativos à complementação e suplementação de aposentadoria, culminando na liquidação de sentença no ano de 2012, mediante um acordo judicial histórico com a União.

 

As negociações, das quais participei ativamente como diretor financeiro do Grupo CEEE, resultaram no reconhecimento do valor significativo de R$ 4 bilhões, o que denominamos no Grupo CEEE da primeira e grande vitória da CRC 1.

 

União Gaúcha – Quando e por que começaram os problemas financeiros da CEEE?

Gerson Carrion – Os problemas estruturais do desequilíbrio econômico e financeiro da CEEE se agravaram, descontroladamente, com o nocivo e lesivo processo de privatização implantado pelo governo Britto no ano de 1997, que, lamentavelmente, até os dias de hoje não foi objeto de auditorias especiais pelos órgãos de controle social e fiscalizadores, os quais, mesmo diante dos danos comprovados da privatização, simplesmente mergulharam num profundo silêncio inexplicável e incompatível com as suas atribuições e competências legais de guardiões zelosos do patrimônio público do Estado e da nação.

 

Os danos da privatização de 1997 foram de tal ordem e magnitude que ainda permanecem os seus efeitos nocivos no desempenho do Grupo CEEE. Tal fato relevante não tem precedentes históricos no Setor Elétrico Brasileiro, pois a CEEE sofreu e sofre com os seus problemas estruturais de desequilíbrio econômico-financeiro, decorrente do esquartejamento a que foi submetida, criminosamente, com a privatização de dois terços da sua área de distribuição, ocasionando o impacto de perda da receita original da concessão na ordem de 54%, além do que, pelo lesivo modelo de privatização aplicado, onde quase a totalidade dos passivos permaneceram com a Companhia, na ordem de 88%. É ou não um crime de lesa Estado e lesa Pátria?

 

No ano de 1998, último ano do governo Britto, mesmo após o nocivo processo de privatização concluído, a saga de destruição da CEEE teve continuidade no caminho danoso do aprofundamento do processo de cisão, liquidação e venda de ativos, com a União, através da Aneel, autorizando a redução de capital da Companhia no valor de R$ 415 milhões, com restituição aos acionistas de parte proporcional do valor das suas ações, recursos que atualizados pela taxa Selic até os dias de hoje ultrapassam R$ 7,5 bilhões, os quais foram retirados da Concessão para outros fins, caracterizando desvio de finalidade sem que tenha ocorrido, até a hoje qualquer processo de auditoria especial e profunda, por parte dos órgãos de controle social da União e do Estado.

 

Por tudo exposto até aqui, resta claro que os problemas financeiros estruturais do Grupo CEEE seguem uma “inha do tempo de forte interferência política ideológica, de tempos em tempos, de forças políticas que pautam a sua lógica de Estado Mínimo, priorizando, açodadamente, a dilapidação do patrimônio público energético dos gaúchos, sem mensurar as consequências nocivas de uma privatização lesiva, desconsiderando totalmente o parque industrial energético construído e consolidado pela tarifa paga pelos consumidores gaúchos ao longo de mais de sete décadas, em comunhão, e alicerçado na capacidade técnica e profissional dos trabalhadores da nossa CEEE, que se dedicam diariamente com muito orgulho a prestarem com qualidade os serviços públicos essenciais de energia elétrica à população gaúcha.

 

A Linha do Tempo destacada, como todos percebem, teve início a partir da lesiva privatização executada pelo governo Brito (PMDB) em 1997, uma retomada inesperada mas agressiva de venda do patrimônio público energético dos gaúchos (CEEE, CRM e SULGÁS) a partir de 2015 até 2018, pelo governo Sartori (MDB), sem êxito. Ao iniciar o ano de 2019, subitamente, o governador Eduardo Leite (PSDB) anuncia como prioridade das prioridades das suas primeiras ações de governo privatizar as empresas públicas CEEE, CRM e SULGÁS, da pior forma imaginável do novo e inovador, repetindo modelos de privatizações ultrapassados e de comprovados prejuízos à sociedade gaúcha.

 

O pior foi revelado, surpreendentemente, ao enviar à Casa Legislativa para aprovação da PEC nº 272/2019 – Proposta de Emenda à Constituição, que teve por objeto explícito a cassação e censura do direito democrático da cidadania plena e universal, expresso nas Constituições Federal e Estadual, com a sua ousada e retrógrada proposta de retirada da consulta plebiscitária, quando, ao contrário, deveria observar o direito político da cidadania, assegurado na Constituição Estadual a cada membro da sociedade gaúcha, de expressar a sua vontade. Além do que, o governo Leite, ao excluir este importante dispositivo da Constituição Estadual, demonstra pouco apreço pelo Estado democrático e de direito, transmitindo um sinal de falta de convicção sobre a vontade majoritária da sociedade.

 

A extirpação do plebiscito, praticada com a maestria e requinte pela base do governo, com a aprovação da PEC do Silêncio e da Censura, é um ato deformado de exceção contra a democracia e a soberania popular, que se tornou um abuso constitucional demonstrando desprezo e desconsideração com a história do povo gaúcho de sempre querer ser protagonista do seu próprio destino, ao arrancar da Constituição o seu direito universal de se manifestar pela sua própria voz em plebiscito, e não de forma indireta por vozes estranhas.

 

A eliminação da obrigatoriedade do plebiscito da nossa Constituição Estadual, para a privatização da CEEE, CRM e SULGÁS, não se configura apenas em um grave retrocesso sob o ponto de vista da soberania popular, porque a alienação dessas companhias trará prejuízos significativos ao povo gaúcho e ao Tesouro do Estado, o qual terá que assumir passivos expressivos, superiores a R$ 5,5 bilhões, em contrapartida ao recebimento de, no máximo, R$ 2 bilhões com a venda dos ativos elétricos das empresas públicas do Grupo CEEE.

 

Tal conta expressa a irracionalidade e o total descuido com as finanças públicas, pois privatizar o Grupo CEEE por R$ 2 bilhões e, ao mesmo tempo, assumir um passivo superior a R$ 5,5 bilhões, com um resultado negativo para os cofres públicos na ordem de R$ 3,5 bilhões, configura uma irresponsabilidade fiscal, danosa e perdulária ao Estado e à população.

 

União Gaúcha – O senhor considera que o ambiente político pesa na decisão de privatizar a CEEE?

Gerson Carrion – Sim, totalmente! A decisão hoje em curso de privatizar a CEEE, açodadamente é 100% ideológica e temerosa na irresponsabilidade fiscal. Como já demonstrado na Linha do Tempo do Processo de Privatização a que o Estado do Rio do Grande do Sul é submetido de tempos em tempos por ideologias políticas que priorizam a dilapidação e entreguismo do Patrimônio Público Energético dos Gaúchos, no viés míope do Estado mais do que mínimo, zero.

 

Ou melhor, na questão da infraestrutura energética, o Estado negativo, sendo que estamos a caminho de eliminar em 100% o controle social de Estado sob a nossa Matriz Energética, com a privatização da CEEE, CRM E SULGÁS. Estado que realmente é Estado e se orgulha da sua condição de ser Estado não abdica, não abre mão, de ter o controle da sua política energética, tão essencial para assegurar a retomada e recuperação do desenvolvimento sócio e econômico do seu povo, de forma contínua e sustentável.

 

 

Assim, podemos afirmar que com a privatização da CEEE, CRM e SULGÁS, vindo a se confirmar, com certeza, não seremos um Estado novo ou Estado do futuro, mas, sim, o Estado do atraso e do retrocesso. É só olharmos as notícias no mundo inteiro de governos que estão adotando o caminho contrário, reestatizando empresas estratégicas e serviços públicos essenciais de soberania nacional, como o setor energético, que tinham sido privatizados.

 

Por exemplo, isso está ocorrendo na Alemanha, Espanha, França, Portugal e vários outros países. Temos nossos exemplos aqui. A Oi, um dos players da privatização da CRT, em seu processo de falência e de recuperação judicial, entregou uma conta de R$ 65 bilhões para o Brasil, valor equivalente à dívida do Estado do Rio Grande do Sul. Uma única empresa conseguiu fazer uma dívida que equivale à dívida de um Estado como o Rio Grande do Sul. Esse modelo de privatizar está correto?

 

União Gaúcha – O governo afirma que a CEEE pode perder sua concessão. Esse risco é real?

Gerson Carrion – A equipe do governo Leite vem intensificando, publicamente, nas suas manifestações na mídia falada e escrita do Estado e do país, o risco de a CEEE-D perder a concessão. Primeiro, surpreende e causa perplexidade, as autoridades governamentais que fazem parte da Governança Superior das Empresas Públicas do Grupo CEEE, ao afirmarem e reafirmarem, publicamente, que a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica, a nossa CEEE-D, está quebrada e com sérios riscos de perder a concessão, pois estão, na verdade, sendo réus confessos de estarem praticando atos não recomendáveis de governança, com fortes sinais de gestão temerária, perante os acionistas, os consumidores, os órgãos de controle social e fiscalizadores, ou seja, a sociedade civil gaúcha em toda a sua amplitude.

 

O método adotado de comunicação com a sociedade parece inadequado e descabido, pois tem a pretensão de passar a ideia de que todos os problemas se concentram única e exclusivamente no CNPJ nº 08.467.115/0001-00 da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica – CEEE-D, e não nos CPFs dos membros da Governança Superior da CEEE-D, como dos seus diretores, conselheiros e conselheiras titulares e suplentes do Conselho de Administração e Fiscal, que são os verdadeiros responsáveis solidários por Lei em praticar atos de gestão com probidade, zelo e denodo de preservação e valorização do patrimônio público CEEE-D e, não ao contrário, de publicamente depreciar e desvalorizar a todo o momento o CNPJ – CEEE-D, como se assim agindo estivessem imunes e vacinados de qualquer vírus letal da responsabilização dos seus atos de gestão temerária, na condução dos destinos da empresas públicas do Grupo CEEE perante a sociedade gaúcha.

 

Tal prática da equipe do governo Leite se resume na sua essência de não só justificar, como acelerar o processo de privatização em curso a qualquer preço institucional vil, aproveitando, descaradamente, e sem nenhum constrangimento público, a pandemia instalada no Estado e no país e “passar a boiada”, um modismo inovador de prática de Administração Pública, ousada, abusiva e de resultados duvidosos e incertos.

 

União Gaúcha – Hoje, a CEEE-D é a pior em ranking da ANEEL instituído em 2011. Como se chegou a essa situação e como reverter?

Gerson Carrion – Trata-se de uma excelente pergunta a ser respondida pelos atuais membros da Governança Superior da CEEE-D (Diretoria, Conselho de Administração e Fiscal), todos indicados e aprovados pelo Acionista Controlador – Estado como gestores da Empresa Pública CEEE-D. Porque a CEEE-D é hoje a pior do ranking da Aneel? É algo a ser auditado e investigado com profundidade pelos órgãos de controle social e fiscalizadores, pois sinaliza, fortemente, indícios de gestão temerária de não cumprimento das obrigações do Contrato de Concessão de Distribuição, assinado em dezembro de 2015 pelos representantes legais da CEEE-D, com anuência e aval do Acionista Controlador.

 

Como reverter? Com boas e recomendáveis práticas de gestão de uma empresa pública, sem ingerência política nociva de qualquer natureza, bem como recuperar, urgentemente, a sua capacidade de investimento na planta elétrica em níveis de recompor e melhorar, consideravelmente, os indicadores de qualidade dos serviços exigidos no Contrato de Concessão. Observem, comparem, indaguem e investiguem: quais os motivos reais de tamanha degradação de ocupar, hoje, a pior classificação da sua história no ranking da ANEEL?

 

Cabe dar destaque, neste momento, aos resultados das pesquisas da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica e da ABRADEE – Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica, que medem a qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias de distribuição do país e o nível de satisfação dos seus consumidores, onde a CEEE-D, no ano de 2017, obteve o índice de 69,33% no IASC – Índice ANEEL de Satisfação do Cliente, ficando no honroso 4º lugar entre todas as distribuidoras com mais de 400 mil unidades consumidoras no país, melhorando a sua posição de sexta colocada em 2016.

 

Na pesquisa ABRADEE 2017, a CEEE-D foi considerada benchmark em fidelidade do cliente, atingindo o índice de 88,20%. Despontou em primeiro lugar entre todas as 49 concessionárias participantes da pesquisa a nível de Brasil, no quesito que se refere a lealdade do cliente com a concessionária. A pergunta formulada neste item questionava se o cliente da CEEE-D gostaria de migrar para outra distribuidora de energia. O resultado foi que 88,20% não deseja migrar, ou seja, é fiel a CEEE PÚBLICA. A média Brasil nesse item foi de 69,5%. Cabe ressaltar que nos últimos oito anos de pesquisa, período de 2011 a 2018, o Índice de Satisfação com a Qualidade Percebida (ISQP) foi, em média, superior a 80%, ficando entre as dez melhores do país neste quesito.

 

Foi, justamente, a capacidade de realizar investimentos que permitiu que a CEEE-D alcançasse altíssimos índices de satisfação dos seus consumidores. Ressalte-se que a CEEE-D foi a concessionária que mais investiu, no período do ciclo tarifário de 2012 a 2016, em ativos da sua planta elétrica no Brasil, com investimentos na ordem de R$ 2 bilhões, na melhoria dos níveis qualidade dos serviços prestados aos seus consumidores.

 

Outro fato relevante que merece registro é a excelente performance e desempenho técnico e profissional dos trabalhadores, em contraponto à atual situação de degradação e definhamento da CEEE-D em curso, que, lamentavelmente, está sinalizando e revelando indícios fortes da prática de um planejamento ardiloso e temeroso de privatização irresponsável, nociva e lesiva à população gaúcha. A bem da verdade, essa empresa pública de nome CEEE-D resiste até hoje pela capacidade técnica dos seus trabalhadores, forjada na luta diária de atender com dedicação e superação os consumidores gaúchos.

 

Nós conseguimos renovar quatro contratos de concessão ao longo desse período, com indicadores de satisfação do cliente superior a 80%, com todas as dificuldades enfrentadas. Eu costumo dizer que é um case para ganhar o Prêmio Nobel de Economia. Como é que uma concessionária de energia elétrica, que fica com 88% do passivo e uma perda da receita original da concessão na ordem de 54%, pós-privatização, conseguiu sobreviver desde 1997 até hoje? Resposta: o ativo humano da CEEE é um dos melhores do Brasil, sendo internacionalmente reconhecido.

 

Nós conquistamos, no ano de 2012, um financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com co-financiamento da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), uma operação inédita nos 77 anos da CEEE, num total expressivo de R$ 731 milhões, com 100% de alavancagem, ou seja, sem contrapartida de recursos próprios do Grupo CEEE. Isso é motivo de orgulho para todos nós, pois envolve uma certificação técnica e financeira a nível internacional superior a qualquer tipo de certificação de qualidade usuais e adotadas no mercado mundial. Além do que, até os dias de hoje, é considerado um Case no Setor Elétrico Brasileiro sem precedentes. Deixamos como legado ao governo Sartori e, também, ao atual governo Leite, a possibilidade de inaugurar obras graças a esses financiamentos.

 

União Gaúcha – Quais os prejuízos ao Estado e à população com a privatização da CEEE, caso ela se concretize?

Gerson Carrion – Caso se concretize a privatização da CEEE, estaremos presenciando um dos maiores crimes de lesa Estado e lesa Pátria praticados na história, principalmente considerando-se a situação de calamidade econômica e financeira em que se encontra o Estado. Ou seja, a privatização da CEEE trará prejuízos significativos ao povo gaúcho e ao Tesouro do Estado, o qual terá que assumir passivos expressivos, configurando uma irresponsabilidade fiscal nociva e lesiva ao Estado e à população.

 

Outro prejuízo relevante aos gaúchos, praticado pelo governo Leite, que sempre é bom lembrar e relembrar e nunca esquecer, foi o de cassar os direitos democráticos do gaúchos e gaúchas de se manifestarem por consulta plebiscitária sobre o destino das empresas que estruturam a matriz energética do Estado, indo além ao completar o seu ato de exceção e deformado contra a democracia e a soberania popular, externando que a essência da sua proposta é única e exclusivamente um desejo ideológico, ao suprimir o parágrafo §2° do Artigo 163 da Constituição Estadual que estabelece que os serviços públicos considerados essenciais não poderão ser objeto de monopólio privado, demonstrando uma sinalização arriscada para o futuro do Estado de ficar prisioneiro e dependente de uma única empresa privada monopolista, ditando e pautando, com a sua lógica prioritária do lucro, as demandas de políticas públicas para o desenvolvimento do Estado.

 

É imaginável uma subserviência dessa dimensão ao domínio de um monopólio privado de um serviço público essencial de energia elétrica. É algo sem precedentes na história Farroupilha. Nenhum Estado que mereça esse nome abre mão, ou melhor, entrega a sua matriz energética e todo o seu poder de concretização de políticas públicas de desenvolvimento energético para uma única empresa privada.

 

Esse é um triste destino de uma população refém da boa vontade do senhor dos lucros. Por esse caminho, não seremos um Estado novo ou um Estado do futuro, mas sim o Estado do atraso e do retrocesso. Essa proposta é de causar inveja aos mais radicais dos liberais, por que elimina a própria essência do modelo liberal alicerçado na livre concorrência e competição ao permitir, induzir e estimular no Estado o monopólio privado, já em curso, a passos largos com dois terços da distribuição de energia elétrica nas mãos da estatal chinesa State Grid, controladora do Grupo CPFL e, por conseguinte, da RGE SUL, que absorveu recentemente a AES SUL e planeja, como já expressado publicamente, comprar as empresas públicas do Grupo CEEE. Isso será uma tragédia para o desenvolvimento regional.

 

Ao invés de trilharmos o caminho da recuperação e retomada de um ciclo virtuoso da nossa economia, estaremos na contramão, aprofundando a crise com a privatização da CEEE, mergulhando o Estado num ciclo vicioso de agravamento da crise das finanças públicas, sistematizando, assim, um fenômeno econômico perdulário de migração de empresas, perda de mercado das indústrias regionais para empresas internacionais, queda acentuada e nociva de postos de trabalho e, a pior e mais grave das perdas, que é a migração do valoroso ativo humano capacitado tecnicamente e, reconhecido nacional e internacionalmente.

 

Que Estado vamos entregar para as futuras gerações de gaúchos e gaúchas? Será um retrocesso histórico sem precedentes de toda a população gaúcha ficar sujeita aos malefícios comprovados do monopólio privado nos serviços públicos essenciais de energia elétrica. Por todo o exposto, evidencia-se a importância estratégica e social dos serviços públicos essenciais de energia elétrica prestados pelas Empresas Públicas do Grupo CEEE, com qualidade, confiabilidade e segurança energética, tornando-se, imprescindível, a Manutenção e Fortalecimento das empresas de Estado CEEE-D e CEEE-GT, para o bem comum e o desenvolvimento de toda a sociedade, evitando que um processo descuidado e inoportuno de privatização implique no agravamento da situação econômico-financeira do Estado do Rio Grande do Sul e, na liquidação do Patrimônio Público Energético dos Gaúchos construído e consolidado em 77 anos de história da nossa CEEE, em ofertar e garantir a Infraestrutura Energética para o crescimento econômico e social sustentável do Estado do Rio Grande do Sul. Concluo ressaltando que a CEEE, orgulho e patrimônio dos gaúchos, sempre foi e será solução para o desenvolvimento do nosso Estado, e não problema.

 

Entrevista à Carla Dutra publicada originalmente na página da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública.

 

Fotos: Guilherme Santos / Sul21