Diretora fez parte do grupo de jornalistas credenciados para a 52ª Reunião do Conselho de DH, que teve a participação do ministro dos Direitos Humanos e Cidadania do Brasil, Sílvio Almeida. Mônica também participou da entrevista coletiva com o ministro brasileiro.

O evento aconteceu em Genebra/SUI, de 27 de fevereiro a 03 de março de 2023. O secretário geral da ONU, Antônio Guterres, discursou na abertura da 52 sessão do Conselho de Direitos Humanos, data que marcou o 75º aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Guterres afirmou que “os direitos humanos não são um luxo, mas a solução para muitos dos outros problemas do mundo”. Em sua primeira reunião como alto comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, assinalou que “após 75 anos da universalidade dos princípios de direitos humanos, a opressão do passado pode retornar em vários disfarces”.

 

Em sua primeira participação internacional, o ministro Silvio Almeida discursou no primeiro dia (27/02) da reunião e iniciou dizendo: “O Brasil voltou”. Almeida citou a grave crise encontrada no território Yanomamis, lembrou da necessária justiça dos brutais assassinatos de Marielle Franco, Bruno Pereira e Dom Philips, da violência estatal contra a juventude pobre e negra, das crianças e adolescentes órfãos da Covid-19, do retorno da ciência, da construção de políticas de direitos humanos, com a necessária participação popular, combate ao trabalho escravo, entre outros temas. Argumentando a necessidade da união internacional, ele propôs quatro alianças necessárias para a atual situação mundial e, após falar das novas políticas de direitos humanos brasileiras, ele recordou aos presentes que o Brasil é candidato à vaga no Conselho para o mandato 2024-2026.

 

No âmbito do seu ministério, citou a diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, como, também, a diretoria dos Direitos das Populações em Situação de Rua como importantes.  Em seu relato falou, também, sobre a reconstrução de outras estruturas, tais como os ministérios das Mulheres e Igualdade Racial. A erradicação do trabalho escravo é considerada uma das lutas importantes e será dada especial atenção a temas como gênero e raça e ao trabalho escravo doméstico, assim como a reinserção das vítimas, a relação com o tráfego de pessoas e o envolvimento das empresas nestas práticas que ainda ocorrem em pleno 2023. O Plano Nacional de Proteção dos defensores e defensoras dos direitos humanos, comunicadores e ambientalistas será elaborado em conjunto com a sociedade civil. Este Plano pretende instituir um marco legal que apoiará o programa de proteção a estes cidadãos. O ministro disse, ainda, que trabalhará pela ratificação do Acordo de Escazú (tratado ambiental da América Latina e do Caribe, que promove os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais), ainda não ratificados pelo Brasil. Citou, também, a Convenção Interamericana de Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos e a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil em e abandonada pelo governo anterior. O ministro também citou que a ciência passa a ser a base do atual governo citando a luta antimanicomial, restabelecimento dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, combate à violência contra as mulheres, enfrentamento ao HIV/Aids, acesso equânime às vacinas e medicamentos, como também abordou o tema da revisão da composição da Comissão de Anistia e a volta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos.

 

O ministro Silvio Almeida fez uma proposta concreta na reunião do Conselho que foram quatro alianças internacionais necessárias e importantes para o mundo:  aliança pela sobrevivência, que permitirá que vivamos em paz com nosso planeta; aliança pela Vida Descente, que buscará erradicar a pobreza e promover a dignidade do trabalho e do lazer; aliança pelo Direito ao Desenvolvimento, que permitirá aos povos do sul global reinventar o direito a desenvolver-se; e a aliança Contra o Ódio, que permitirá combater mundialmente o racismo, a xenofobia, o sexismo, a LGBTfobia e o ódio articulado pelo fascismo e extrema direita mundiais. Ao fortalecer sua proposta de Alianças Mundiais, citando Davi Koppenawa Yanomami, o ministro disse que devemos “ouvir o coração da Floresta Amazônica e redobrar nossos esforços pela vida”. Para ele os atuais modos de produção e redistribuição de riquezas “não deixam vencedores”. Almeida comentou, ainda, que é imprescindível e necessário crer na força da cooperação, do diálogo, do amor, da solidariedade e a paz para que a Carta das Nações Unidas prevaleça.

 

Coletiva Internacional do ministro Sílvio Almeida

 

Na coletiva do dia 02 de março, o ministro falou a respeito de diferentes temas, entre eles fake news, guerra da Ucrânia, racismo, trabalho escravo, violência contra jornalistas, crise dos Yanomamis, situação encontrada no MCDH, discurso de ódio, relações e parcerias com demais países e com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos humanos, entre outros temas. O ministro disse que “o Brasil voltou, mas diferente e conectado com as demandas do tempo presente e com os novos significados da sua história, que devem ser olhados em uma nova perspectiva, a partir deste momento. Afirmou que o Brasil volta com outro projeto de futuro que envolve, não somente o nosso país, mas o futuro da humanidade, em função das guerras, dos ataques à democracia e aos problemas ambientais”.  Para o ministro, estar nos palcos internacionais significa olhar para o mundo com altivez e defender nossa soberania.

 

Violência contra jornalistas

 

Sobre o aumento da violência contra os jornalistas, o ministro comentou a ação especial que será empreendida, que é a elaboração do Plano Nacional de Proteção dos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos, Jornalistas e Ambientalistas. O Plano será desenvolvido em conjunto com a sociedade civil, movimentos sociais, academia, diferentes ministérios e instituições do Estado brasileiro e instituições representativas.  Por meio deste Plano pretende-se instituir um marco legal que apoiará o programa de proteção. A previsão de entrega do documento é o segundo semestre de 2023. O ministério tem a intenção de olhar as boas práticas que têm sido aplicadas em outros lugares do mundo, como, por exemplo, a experiencia da Colômbia.

 

Fake News e discurso de ódio

 

Ao ser perguntado sobre regulamentação das redes, fake news e discurso de ódio, o ministro comentou que o espalhamento do ódio e notícias falsas só ocorrem se houver um terreno fértil para que isto acontecer. E o terreno fértil, segundo ele, é o terreno de devastação econômica, o terreno de miséria existencial, onde as pessoas olham para a frente e não veem um futuro, onde a vida não faz sentido, é um mundo de repetição e de profundo ressentimento que se manifesta a partir do ódio contra as mulheres, negros e contra as minorias em geral, do ódio contra LGBTQIA+, o ódio contra os trabalhadores e trabalhadoras, contra as pessoas pobres. “Já ficou muito evidente que a relação entre mentira, desestabilização da democracia, lucro e discurso de ódio está levando o mundo a um buraco que não sabemos como sair”, afirmou Almeida.

 

Trabalho Escravo e racismo

 

Sílvio Almeida fez uma rápida análise sobre o Brasil e seu desenvolvimento, ao longo da história, e dentro deste tema ressaltou três tendências estruturais: 1) o Brasil é um país forjado no autoritarismo e numa certa ojeriza e problema com a democracia; 2) a dependência econômica que gera a desigualdade e a pobreza, e 3) o racismo. Para ele toda e qualquer política de Direitos Humanos e Cidadania, que se desenvolva, no Brasil, tem que levar em consideração a questão racial. Ao ser perguntado pelo caso das vinícolas gaúchas, o ministro afirmou que “a realidade encontrada no RS não é um caso isolado ou único caso”. Para ele a luta contra o trabalho escravo “é uma luta que envolve o fortalecimento do sistema de proteção social dos trabalhadores. Estou falando em todas as dimensões, inclusive a salarial, e nós precisamos reconstruir fortemente, no Brasil, o sistema de proteção social aos trabalhadores e trabalhadoras e fortalecer a representação deles e delas por meio dos sindicatos. E isto vai garantir que os trabalhadores e trabalhadoras não fiquem à mercê deste tipo de exploração”. Nos próximos dias está marcada uma reunião com a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, com o objetivo de realizar um diálogo para revisar o Plano Nacional e verificar como será possível fortalecer o combate a este tipo de prática, disse ele.

 

Situação encontrada no MCDH e cooperação internacional

 

Em relação às atividades do ministério, o ministro Silvio disse que “daqui para a frente precisa ser diferente, não porque eu quero, mas por conta dos últimos quatro anos de vergonha para nós brasileiros, de maneira geral, para a história do Brasil. Temos ambição de fazer algo diferente e contribuir para um Brasil e um mundo novo”. O Brasil, de acordo com Almeida, quer contribuir com uma nova concepção do que são Direitos Humanos e, por isso, será necessário retomar o debate que se perdeu ao longo dos últimos tempos. Outro ponto importante e necessário é retomar a discussão de DH e Democracia. A participação da delegação brasileira na reunião do Conselho tem como objetivo primordial “reconectar o país como sistema internacional de Direitos Humanos, que é um palco importantíssimo da atuação política do Brasil e acredito que a reconexão é muito importante para a reorientação da política nacional de direitos humanos. Esta mudança com a reapresentação do Brasil demonstram, também, outras perspectivas e visões que vão além do norte do mundo”, comentou Almeida. Em reunião do ministro com o alto comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, foi oficialmente apresentada a nova visão do Brasil sobre Direitos Humanos e feito convite para que Turk visite o Brasil. Convite aceito.

 

Guerra da Ucrânia

 

Sobre a Guerra da Ucrânia, Almeida comentou que todo o contexto de guerra viola os Direitos Humanos e os maiores afetados são trabalhadores, minorias, mulheres e meninas.  O ministro acredita que esta guerra não é uma guerra regional e, segundo ele, envolve não somente a Europa, como tem contornos globais. Perguntado pela posição do Brasil na guerra o ministro disse que “é uma posição que prioriza a abertura de espaços de diálogos, de conversação e compreensão,  a única capaz de encerrar um conflito desta proporção. Mesmo tendo esta posição de diálogo, o Brasil não aceita e não reconhece violação aos Direitos Humanos. O Brasil não tem neutralidade em relação à violação dos Direitos Humanos”. E completou, afirmando que “a guerra, tristemente, está demonstrando que alguns fantasmas que nós achávamos tivessem sido superados, principalmente depois dos desastres que a humanidade viveu, continuam muito vivos. A gente está falando da guerra, mas eu poderia falar da pandemia, dos ataques à democracia que acontecem no mundo inteiro de um jeito ou de outro”.

 

Simmy Larrat

 

Empreender a luta contra a violência de toda ordem e nível, a dificuldade de acesso às políticas públicas tais como educação e saúde, tanto na esfera federal como estadual e municipal, a xenofobia, a intolerância, o ódio e a precariedade de oportunidades de empregos formais por que passam as populações LGBTQIA+ não são uma exclusividade vivida no Brasil.  Por este motivo, quando se busca defender os direitos e ampliar oportunidades para abrir espaços a esta população, faz-se necessário estar aberto a estabelecer parcerias, cooperações, intercâmbio de conhecimento, realidades e experiencias, tanto no Brasil como no mundo. Na primeira missão internacional como integrante do Governo Federal brasileiro, a secretaria Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+, Symmy Larrat, acompanhou o ministro Silvio Almeida na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Além das atividades da agenda oficial do Conselho, a secretaria participou de um encontro com ONGs e atores sociais de Genebra, com o objetivo principal de troca de experiencias e intercâmbio de informações, sobre temas importantes para a população LGBTQIA+. Após conhecer as instalações da Associação 360, Symmy alertou os participantes sobre a importância da sua vinda a Genebra, uma vez que buscou dar visibilidade e representatividade às populações LGBTQIA+ e ao trabalho que ela está desenvolvendo à frente da Secretaria.

 

 

Durante a reunião, foram discutidas as abordagens, tanto no Brasil quanto na Suíça, de temas como intolerância religiosa, terapias de reversão, linguagem inclusiva, diferentes tipos de violência, preconceito, problematização social, estatísticas e informações sobre suicídio e xenofobia, transfeminicídio e os relatórios produzidos nos dois países sobre tais temas, Parada Gay de São Paulo, Fórum Mundial, representação política, tipificação de crimes transfóbicos, entre outros assuntos. Ao ser perguntada sobre as estatísticas de violência e suicídio, Symmy citou os relatórios e estudos produzidos pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), entre os anos de 2017 e 2022, que apontaram 912 assassinatos de pessoas trans e não binárias brasileiras, sendo 131 casos somente em 2022. Segundo a secretária, a maioria dessas pessoas foi assassinada no exercício profissional e, aproximadamente, 80% delas eram travestis. A intolerância de origem religiosa foi abordada na conversa e a secretária relatou sobre as Igrejas evangélica inclusivas. Ao citar um trecho da música “Balada de Gisberta” do poeta, compositor e cantor português Pedro Abrunhosa e cantada por Maria Bethânia, Symmy falou sobre xenofobia e transfobia e contou a história da brasileira Gisberta Salce, que se transformou no ícone de luta LGBTQIA+ em Portugal e no mundo. Gisberta foi assassinada brutalmente em fevereiro de 2006, na cidade do Porto, e este crime hediondo gerou protestos, em Portugal e no Brasil, de entidades de direitos humanos, como também das representações LGBTQIA+ e da própria sociedade portuguesa. O assassinato da brasileira foi mais um capítulo da flagrante   intolerância e do ódio contra as transsexuais latinas, que migram para Europa em busca de oportunidades e melhor qualidade de vida. A brasileira teve seu nome aprovado para virar nome de rua na cidade do Porto, contou a secretaria. Por fim, a secretária se colocou à disposição das organizações que participaram do evento e manifestou seu interesse de aprofundar o intercâmbio e a cooperação, além de ampliar o diálogo em outras ocasiões, futuramente.

 

(* Symmy Larrat Brito de Carvalho é jornalista e ativista dos direitos LGBTQIA+; esteve à frente do Transcidadania, na gestão de Fernando Haddad, em São Paulo, projeto de reconhecimento internacional sobre escolarização e introdução, ao mercado de trabalho formal, da população trans. No governo da ex-presidenta Dilma Roussef, foi coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos. Em 2017, Symmy assumiu a presidência da ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, sendo reeleita em 2021 e a primeira travesti a exercer função. Em 2021 recebeu o Prêmio Jorge Lafond, concedido pelo Distrito Drag. Desde 2023 atua como secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.)

 

Texto e fotos: Mônica Cabanas / diretora SindJoRS (a ditetora está radicada em Genebra/SUI)