Monica Cabanas Guimaraes*

 

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) realiza sua 113ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT) em Genebra de 2 a 13 de junho de 2025.  A OIT é a única agência das Nações Unidas tripartite e por isto na CIT estão presentes delegados dos governos, trabalhadores e empregadores e dos 187 Estados-Membros da Organização. O Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS) está acompanhando o evento.

 

Na abertura da Conferência, o diretor-geral da OIT, Gilbert Houngbo, falou do atual momento pelo qual passa o mundo, sobre as reformas do multilateralismo e o sistema das Nações Unidas em particular. “Não se trata só da elaboração de normas internacionais do trabalho, sua implementação e supervisão, mas também da necessidade imperiosa de garantir regras do jogo justas numa economia mundial cada vez mais interconectada e em rápida mutação. Podemos e devemos agir com determinação e constância, para promover a justiça social através de um melhor equilíbrio entre o econômico, o social e o ambiental”, afirmou o diretor.

 

Na Conferência deste ano, as principais discussões são sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos biológicos no ambiente de trabalho, a primeira discussão normativa sobre o trabalho decente na economia das plataformas – considerada como um marco pioneiro o trabalho no tema – e abordagens inovadoras para promover transições da economia informal para a formal. Os debates tripartites da Conferência poderão resultar em novas normas internacionais, gerando novas Convenções ou Resoluções Internacionais, que passarão a influir diretamente no mercado de trabalho dos países e suas agendas nacionais e multilaterais. Outro tema a ser discutido na CIT será a decisão tomada em março passado, pelo Conselho de Administração da OIT, de recomendar à Conferência que aprove um orçamento com crescimento nominal zero para a Organização.

 

“Vivemos uma ebulição no mercado de trabalho, no Brasil e globalmente. São mudanças profundas, com o avanço das plataformas digitais, da inteligência artificial e das novas tecnologias. Devemos estar preparados para responder com políticas públicas que garantam direitos e ampliem oportunidades”, afirma o ministro do Trabalho e Emprego do Brasil, Luiz Marinho, que participará das plenárias de alto nível da Conferência a partir de 7 de junho.

 

Gilbert Houngbo também destacou em sua fala inaugural duas publicações da OIT, sendo a primeira delas o relatório sobre o emprego e as questões sociais, que prevê a criação de 53 milhões de empregos em 2025 no mundo, ou seja, 7 milhões a menos do que as previsões estabelecidas em outubro de 2024. Para o diretor-geral esta realidade se deve principalmente à desaceleração do crescimento mundial, num contexto de tensões geoeconômicas, nomeadamente comerciais.

 

O segundo estudo citado pelo diretor foi sobre inteligência artificial, onde a OIT introduziu, pela primeira vez, um índice de exposição que mede o grau de vulnerabilidade das diferentes atividades profissionais à IA. “Globalmente, um quarto das funções ou atividades estão altamente expostas. Nossas pesquisas indicam e confirmam que funções altamente digitalizadas, como programação de computadores, desenvolvimento de software, finanças, mídia, etc., estão cada vez mais vulneráveis, embora as tarefas de natureza repetitiva continuem mais expostas”, afirmou o diretor-geral da OIT.

 

Na terça-feira, 3, Houngbo apresentou à plenária da Conferência dois informes. O primeiro deles foi “Emprego, direitos e crescimento: consolidar a ligação” , que aborda o vínculo essencial entre emprego, direitos e crescimento econômico.   O diretor-geral expressou preocupação com a crescente desilusão dos trabalhadores, destacando a erosão da confiança nas instituições e uma necessidade urgente de reconstrução social e econômica. O relatório enfatiza que as crises recentes, que são econômicas, sociais e políticas, fragilizaram o mercado de trabalho impactando negativamente as suas condições. “Vivemos desafios históricos em tempos turbulentos, o enfraquecimento das conexões entre emprego e crescimento, as transformações tecnológicas e demográficas”, diz o relatório, que conclui com um apelo à ação coletiva para fortalecer instituições democráticas e garantir que os benefícios do crescimento econômico sejam amplamente distribuídos, promovendo justiça social e paz duradoura. Também constam os itens Promoção do Trabalho Digno; Fortalecimento do Diálogo Social; Regulação do Impacto Tecnológico; Transição para uma Economia Verde; Redução da Desigualdade de Gênero; Reformas na Proteção Social; Revisão de Políticas Comerciais.

 

O segundo informe apresentado pelo diretor-geral da OIT foi “A Situação dos trabalhadores dos territórios árabes ocupados”.  Neste informe, os números são alarmantes e refletem uma realidade devastadora, de que a guerra em Gaza levou o mundo do trabalho palestino a um colapso sem precedentes, com desemprego recorde e destruição do mercado de trabalho; colapso econômico e infraestrutural; restrição severa ao acesso a recursos essenciais; expansão dos assentamentos e intensificação da ocupação; precarização dos direitos dos trabalhadores.

 

Dados do relatório informam que a taxa de desemprego atingiu 69%, e que a atividade econômica praticamente desapareceu. O PIB da região sofreu uma contração brutal de 83%. Com fábricas destruídas, empresas fechadas e mercados paralisados, poucos conseguem trabalhar. O impacto na infraestrutura produtiva é imenso. A guerra devastou mais de 80% das instalações comerciais em Gaza e causou perdas de 1,3 bilhão de dólares no setor agrícola, essencial para a segurança alimentar. Os sistemas de irrigação foram destruídos, a pesca parou e milhares de trabalhadores perderam seus meios de subsistência. A falta de circulação de dinheiro também impossibilita o pagamento de salários e o funcionamento das pequenas empresas, tornando qualquer recuperação ainda mais difícil.

 

O relatório da OIT destaca ainda que medidas urgentes para reconstrução e geração de empregos somente poderão ser adotadas com a recuperação real da estabilidade na região. O texto enfatiza que apenas uma solução política duradoura pode garantir segurança e condições dignas para os trabalhadores palestinos e o início da reconstrução.

 

Com a volta das condições mínimas de estabilidade, o texto diz que serão necessários investimentos internacionais maciços para restaurar setores produtivos e infraestrutura laboral; a reconstrução deve ser intensiva, priorizando empregos para trabalhadores palestinos na reconstrução de suas próprias comunidades. Também deve haver apoio ao setor privado, especialmente às pequenas e médias empresas, e ampliação da proteção social, garantindo apoio financeiro para famílias deslocadas e assistência para trabalhadores que perderam seus empregos.

 

Com forte participação do governo e da bancada dos trabalhadores brasileiros, na noite de quarta-feira, 4, a Comissão Normativa sobre o Trabalho Decente na Economia de Plataformas da CIT/OIT, aprovou a elaboração de uma convenção internacional, acompanhada de uma recomendação voltada à regulamentação do trabalho em plataformas digitais.  “A grande batalha está começando hoje, que é definir quais são os conteúdos dessa convenção, e aí vai ser a mesma dinâmica, a tentar avançar ao máximo, e o patronato e alguns países vão tentar fazer o mínimo possível de regulamentação. Mas eu acho que nós vamos poder avançar, sim, vai ser importante. Estamos otimistas em relação à perspectiva de que essa reunião da OIT começa a mudar o clima, não só no Brasil, em todo o mundo, da necessidade da regulamentação da profissão, do trabalho e das relações nessa área de trabalho com plataformas”, afirmou Gilberto Carvalho, Secretário Nacional de Economia Popular e Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

 

Na votação, 65 países votaram a favor, em conjunto com a bancada dos trabalhadores, contra 16 países e a bancada dos empresários. Vencida esta primeira etapa de aprovação dos instrumentos legais, o passo seguinte é definir quais são os conteúdos dessa convenção. O texto final da convenção e da recomendação será objeto de análise na próxima Conferência da OIT em 2026. O governo brasileiro, juntamente com a bancada dos trabalhadores, tanto nacional como internacional, tiveram um importante papel como articulador das negociações. Fábio Tibiriçá Bon, assessor jurídico da Secretaria de Relações Internacionais da CUT, disse que “são sete anos de trabalho”. “Iniciamos com uma reunião de peritos internacionais, uma reunião que já foi muito dura, que sequer conseguiu trazer conclusões para a OIT.  Foi uma primeira grande vitória, mas ainda a guerra continua”, considerou. “A postura do governo Lula, desde a campanha, sempre foi clara: defender os direitos dos trabalhadores de plataformas digitais. Acreditamos que nenhum avanço tecnológico pode ser usado como desculpa para a precarização do trabalho. Durante as negociações no comitê da OIT, enfrentamos tentativas de atrasar o debate e criar distrações por parte de algumas delegações, mas o Brasil manteve-se firme, garantindo o bom andamento das discussões e defendendo um instrumento que priorize os interesses e a proteção dos trabalhadores”, acrescentou Maira Lacerda, assessora internacional do MTE.

 

A transformação digital e o crescimento das plataformas de economia de aplicativo trouxeram consigo uma nova realidade que torna necessário assegurar direitos e proteção dos direitos dos trabalhadores. Na opinião de Eymard Loguercio, da Secretaria Nacional de Assuntos Jurídicos da CUT Brasil, “a vitória foi importante porque estabeleceu o instrumento, que será uma convenção seguida de uma recomendação, o que para nós no Brasil é muito importante”, explicou.

 

Em paralelo a CIT, ocorrerá, no dia 12, a segunda edição do Fórum da Coalizão Global pela Justiça Social, que tem como objetivo melhorar a colaboração mundial na abordagem das lacunas de justiça social e no avanço da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Agenda do Trabalho Decente. A iniciativa busca reduzir as desigualdades globais, combater a pobreza e atender às necessidades essenciais por meio da promoção de normas internacionais do trabalho e do diálogo social. A Coalizão é uma iniciativa da OIT e contou no ano passado com a presença do presidente Lula em seu lançamento, e que tem como parceiro de comando o governo brasileiro através do Ministério do Trabalho e Emprego.

 

O Fórum da Coalizão oferece um espaço onde é possível debater questões temáticas relacionadas à justiça social, bem como os desafios, oportunidades e possíveis soluções para avançar nos objetivos da Coalizão. Também permite troca de conhecimentos, ferramentas e experiências, bem como mostrar atividades e iniciativas empreendidas em apoio à justiça social.

 

* Diretora SindJoRS