Dentro das comemorações dos 80 anos do SindJoRS, o mês de fevereiro – reservado ao Carnaval – não poderia oferecer melhor presente do que ter dois de seus filiados, que fizeram escola nas coberturas das festas de Momo, presentes nas avenidas do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Cláudio Brito e Renato Dornelles são ícones da comunicação do Rio Grande do Sul e um bate-papo com eles é sempre um grande aprendizado. As entrevistas foram gravadas pela diretora Bel Clavelin.

 

Futebol e Carnaval: as duas maiores paixões do povo brasileiro. Mais que paixões, são símbolos que identificam o Brasil. E muito próximo desse amor e da representatividade de ambos está o jornalismo, que foi primordial para que ambos ficassem conhecidos mundialmente. As coberturas do futebol e do carnaval refletem e reforçam a importância dos eventos para a população mundial. Hoje, para além das quatro linhas e dos sambódromos, ambos ainda alimentam o turismo e a cultura.

 

O Jornalismo Carnavalesco existe desde há séculos. O início se deu com a imprensa escrita e destaca-se José de Alencar, que escrevia crônicas nas edições de domingo, no Correio Mercantil. Ao longo do tempo, as coberturas foram se aprimorando, assim como o Carnaval. Mesmo que os jornalistas escalados para as coberturas atuassem nas editorias de geral e de esportes, alguns foram se especializando e legitimando o Jornalismo Carnavalesco. Dentre os nomes que construíram essa história, estão dois filiados ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul – SindJoRS – o que muito honra a entidade: Cláudio Brito e Renato Dornelles.

Cláudio José Silveira Brito, advogado, radialista e jornalista há 58 anos (registrado na Fenaj sob o número 3.070), atuou a maior parte deste tempo na RBS, filiada da Rede Globo aqui no Estado. Hoje, “o rei do improviso” – como é conhecido – atua no Grupo Sinos, com colunas nos Jornais NH, VS, Diário de Canoas e ABC e, também, como apresentador e comentarista na Rádio ABC 103.3. No programa Gaúcha no Carnaval, onde fez escola, comandou as transmissões de carnaval de Porto Alegre, Uruguaiana, Cruz Alta, São Paulo e Rio de Janeiro. A relação de Brito com o carnaval vem de berço, como ele mesmo conta, “mamei em seio negro; meu pai era um homem de 33 anos, casado, e minha mãe, que não era a esposa dele, tinha 17 anos. Isso lá em 1948. Nasci em casa, com parteira – a Nega Olinda -, que era a mãe de leite do Arraial da Baronesa, onde começou o carnaval de rua da Baronesa do Gravataí, em chão batido”, lembra o jornalista.

 

Renato Dornelles, nascido em Porto Alegre, em maio de 1964, chegou a cursar oito semestres de Direito, mas acabou escolhendo o Jornalismo. Ele ingressou na RBS por meio de um projeto – hoje conhecido como Caras Novas -, em 1986. Em 1994, ele cobriria um dos mais tensos momentos vividos em Porto Alegre – o motim no Presídio Central -, que terminou com oito fugitivos e dois mortos. A partir de uma série de reportagens, lançou o livro A Falange Gaúcha, que deu origem ao curta-metragem O Poder Entre as Grades e ao documentário Central; depois vieram A Cor da Esperança e Paz nas Prisões Guerra nas Ruas – com Tatiana Sager. Mas e o carnaval? Renatinho – como é chamado por muitos colegas – acumula 37 anos de experiência em coberturas carnavalescas, em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Na TV Assembleia, comandou o Morada do Samba e, na Rádio ABC 103.3, junto com Cláudio Brito, participa do ABC no Carnaval.

 

O Carnaval

 

Cláudio Brito lembra o primeiro Rei Momo de Porto Alegre – que reinou durante 22 anos –, “Vicente Rao era um grande sindicalista, presidente do Sindicato dos Bancários, e um grande carnavalesco. Ele inclusive recebeu uma homenagem, recentemente, do Sindbancários, que deu o nome Vicente Rao ao estúdio de gravação profissional – Estúdio Rao”. O jornalista ainda lamenta a distância do Sambódromo de Porto Alegre, “é longe barbaridade, fora de eixo, não circulam pessoas do carnaval, não há investimento. Estamos a duas semanas do desfile, na capital, e não tem nada lá. Cadê luz? Cadê som? Cadê arquibancada?” questiona. Ele lamenta a falta de investimentos e cita o carnaval do Rio de Janeiro, como “a Meca do Carnaval”. Segundo o jornalista, é lá que acontece o maior espetáculo da terra. E lembra a primeira vez em que esteve na capital carioca, um ano antes da inauguração do Sambódromo. “Foi o Niemeyer que o Brizola chamou para desenhar o Sambódromo. O arquiteto não gostou do primeiro local sugerido, que era na zona oeste do Rio, e argumentou que, na Marquês de Sapucaí com a Presidente Vargas, existiu a ‘tia Ciata’ (Hilária Batista de Almeida, sambista, quituteira, mãe de santo; a casa dela é referência na história do samba, do candomblé e do Rio de Janeiro) e outras ‘tias baianas’, que ganhavam a vida fazendo quitutes e, à noite, acolhiam sambistas e promoviam saraus. A partir dessa história ficou decidido o local do Sambódromo”.

Para Renato Dornelles, Rio de Janeiro e Porto Alegre vivem situações opostas, embora neste ano considere que a prefeitura da capital gaúcha esteja investindo mais. “De qualquer forma, o orçamento é muito baixo, talvez porque o grau de exigência seja menor, mas a minha expectativa é que vá sair um bom carnaval”. O jornalista fala sobre a integração entre Porto Alegre – Rio de Janeiro e Uruguaiana – que tem carnaval há 60 anos -, com o intercâmbio de profissionais. “a harmonia do Salgueiro tem cavaquinho, violão e uma voz do carro de som, todos gaúchos e temos vários outros em outras escolas cariocas”. Sobre isso, Brito acrescenta, também, intercâmbio de peças de fantasias. E, por falar em Uruguaiana, Renatinho lembra que o carnaval fora de época começou por lá (em 2005) e que, agora aplicado em Porto Alegre, permite que as pessoas possam participar dos desfiles no Rio de Janeiro e, depois, retornem em tempo à capital gaúcha para as apresentações locais.

 

Aprendizado

 

A jornalista e repórter da RecordTV RS, Liliane Pereira, conta que trabalhou com os dois jornalistas, Brito e Dornelles, num programa independente. “Eu não recebia nada, porque ali estavam pessoas que amavam samba, por isso pedi uma oportunidade ao Cláudio Brito”. A jornalista lembra que, na época, trabalhava num setor administrativo da RBS, mas queria aprender. Ela faz parte de uma família carnavalesca e isso influenciou a criação. O avô de Liliane foi um dos fundadores da Tribo dos Caetés; a mãe, da Vila do IAPI; e o pai foi mestre de bateria, durante muitos anos, da Bambas da Orgia. Ela já foi madrinha de bateria e sai há muitos anos na Imperadores do Samba. O posto de madrinha ela largou “para participar da primeira cobertura de carnaval e foi maravilhoso”.

Liliane vê uma grande diferença na cobertura do carnaval do Rio e de Porto Alegre. “aqui eu vejo que as pessoas que fazem a cobertura são apaixonadas pelo carnaval”. Mas também lamenta a falta de preparo de alguns jornalistas que cobrem os desfiles para veículos de comunicação, “uma vez, um repórter comentou que o puxador estava rouco, sem saber da necessidade de ele cantar muitas vezes, no dia anterior, por falta de recursos da própria escola”.

 

Sobre a Cobertura

 

Ao longo do tempo, Renato Dornelles viu diminuir o espaço do carnaval na mídia, “a cobertura já foi bem maior, já teve envolvimento de mais veículos. Atualmente o Grupo Sinos tem uma cobertura mais ampla, tem ainda Correio do Povo, Diário Gaúcho, mas diminuiu muito. A gente vê uma cobertura maior nas redes, em sites e blogs”.

 

Brito fala das redes sociais “o mundo num smartphone. A possibilidade de tanta comunicação reduz o uso ou o acesso das mídias tradicionais. Há quem diga que vai para o Rio transmitir o carnaval e transmite em multimídia. As rádios tradicionais abandonaram o carnaval. No 70 anos da Rádio Gaúcha eu fiz uma escola e hoje eles não transmitem mais, nem a Rádio Guaíba. Há quatro anos, quando fui assinar com a Rádio ABC, eu falei que não abria mão do Carnaval”.

O jornalista confessa que torce para a Portela. “Eu quero mais dos 100 anos da Portela. Foram convidadas madrinhas de bateria, mas cadê Paulinho da Viola? Ele é a história da Portela. Vamos ver o que vai acontecer”. Apesar da torcida pela azul e branco, ele tem um samba preferido, o da Mangueira, “o samba foi morar onde o Rio é mais baiano”. E segue para mais uma cobertura de Carnaval, “um produto jornalístico respeitável, que difunde a nossa cultura. É neste sentido que me atirei de corpo e alma. Vou pendurar mais uma credencial aqui na parede”, diz ele, apontando para a parede de casa.

 

 

Resistência

 

Para Renato Dornelles, o Sindicato, assim como o Carnaval, é uma entidade de resistência. “Hoje, infelizmente, a profissão luta contra tantas coisas, salários, condições de trabalho; já não bastassem todos os problemas que a gente enfrenta, tem ainda, as fake news. A gente precisa se manter fortalecido, com entidades como o SindJoRS, que há 80 anos segura a onda, para que a gente ainda tenha dignidade na profissão”.

 

Cláudio Brito, que também cita o problema das fake news e diz que sindicatos são indispensáveis, porque as categorias se unem quanto têm uma entidade representativa. “Eu sou jornalista, eu vou retratar a realidade do meu povo, mas para eu ter esta autoridade, eu tenho que ser sindicalizado. Nós somos um Estado que faz ecoar, sou fã da nossa história de 80 anos”. E cita a primeira presidenta negra do SindJoRS, Vera Daisy Barcellos, irmã de Carlos Alberto Barcellos, o Roxo, jornalista especializado em Carnaval, que dá nome ao Sambódromo de Porto Alegre. “Meu orgulho é ser registrado, sindicalizado; não fiz o curso porque sou mais antigo que o curso de Jornalismo”.

 

Lembrando Roxo

Fosse vivo, Carlos Alberto Barcellos, o Roxo completaria, em novembro deste ano, 82 anos. Jornalista especializado em Carnaval, ele ganhou destaque na Rádio Princesa AM 780. Frequentava todos os espaços da sociedade, o que permitiu a ele ligar as classes mais pobres com as elites culturais, políticas e artísticas, usando o rádio para democratizar a comunicação, trazendo a cobertura do carnaval para a população e colocando a cultura ao alcance de todos. Além disso, produziu discos de vinil de artistas locais e dos desfiles das Escolas de Samba de Porto Alegre. Roxo foi incentivador da formação de radialistas negros. O nome dele batiza a pista de desfiles do Porto Seco, o Sambódromo de Porto Alegre. E, mesmo que mude de local, ele seguirá dando nome ao espaço do carnaval de Porto Alegre.

 

 

Texto e diagramação: Carla Seabra

Fotos: Perfis oficiais e reproduções

Decupagem e pré-seleção: Viviane Finkielsztejn

Entrevistas: Bel Clavelin

Coordenação Eventos 80 anos SindJoRS: Mônica Cabañas