Em debate que abriu a 23ª Plenária do FNDC, especialistas discutiram, nesta sexta (9/10), os horizontes da luta por conexão universal e de qualidade em meio à crise do coronavírus
O problema dramático do acesso à Internet de qualidade durante a pandemia do coronavírus é real, mas é só a ponta do iceberg. O déficit de investimentos e políticas para garantir a universalização do acesso é histórico, apesar de escancarado pelo contexto da pandemia, conforme explicaram especialistas nesta sexta-feira (9/10), na abertura da 23ª Plenária Nacional do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Advogada e especialista em telecomunicações e direitos digitais, Flávia Lefèvre lembra que a luta para que o Estado trate o acesso à Internet como direito fundamental não vem de hoje. “O Brasil desperdiçou diversas oportunidades de levar a cabo políticas que dessem conta deste problema. Em momentos cruciais, inclusive sob governos progressistas, titubeou-se na hora de falar em universalização, e não apenas massificação da oferta do serviço de banda larga”, explica.
Integrante do Coletivo Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede (CDR), Lefèvre destaca, ainda, que o Marco Civil da Internet, uma conquista histórica no campo dos direitos digitais, já preconizava que o serviço de conexão à Internet deveria ser tratado como essencial e universal. Mas não foi o que aconteceu.
“Há duas Internet no Brasil. Uma Internet para os pobres e uma Internet para os ricos”, opina. Segundo o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), órgão que monitora a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no Brasil, ligado ao Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br), os usuários de Internet das classes D e E tem acesso restrito a dispositivos móveis. Na classe C, são 65%. “Isso cria um fosso enorme entre os consumidores de baixa e alta renda”, argumenta Lefèvre.
Mais de 75% dos planos de dados contratados junto às operadoras são planos com franquias mensais, segundo a Anatel. “A pandemia escancara este cenário. A Anatel negou que fosse suspenso o regime de franquia durante o período de isolamento, um pedido feito pelo Intervozes. Por que não aceitaram? Porque há uma insuficiência grave de infra-estrutura para isto, além de falta de vontade política e comprometimento, por parte dos poderes competentes, para aplicarem o aparato legal e os recursos necessários e disponíveis para combater este problema”.
Conselheiro do Clube de Engenharia e integrante do CGI.br, Marcio Patusco apresentou dados mostrando que a desigualdade não é apenas econômica, mas também regional e social. “Antes da pandemia, em 2019, a desigualdade de atendimento já era muito grave. Enquanto as classes A e B contavam com atendimento praticamente completos, as classes D e E atingiam no máximo 57%”, diz, acrescentando que enquanto a cobertura dos serviço, no ano passado, foi de 77% nas áreas urbanas, não passou de 53% nas áreas rurais.
“O que tem sido dito à exaustão”, reflete Patusco, “é que há uma necessidade de Internet muito acentuada durante a pandemia”. O acesso a diretrizes trabalhistas tinha 8% de soluções via Internet e, durante a pandemia, saltou para mais de 30%, exemplifica. “Saúde, transporte, segurança e outros índices, tiveram um aumento acentuado das necessidades de Internet, obviamente, porque as pessoas não podiam sair e resolver problemas em repartições públicas”.
Para ampliar o acesso e melhorar a qualidade da Internet, existem questões de natureza técnica e outras, regulatória, explica Patusco. “Um dos caminhos é a avaliação dos bens reversíveis do sistema de telefonia fixa. Esses bens reversíveis, de acordo com a aprovação obtida no Congresso, seriam repassados para as operadoras de telecomunicações investirem em banda larga”, pontua. “São valores subavaliados de forma recorrente. Estamos agindo, como sociedade civil, para que esses recursos sejam direcionados para a ampliação de banda larga no país. Em especial, para áreas onde não há oferta suficiente e adequada”.
Educação em disputa
Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Nelson Pretto criticou as soluções que estão sendo impostas para suprir a demanda da tele-educação durante a pandemia. “É difícil falar dos problemas do acesso à Internet no Brasil por conta da pandemia. Este problema é gritante desde muito antes da pandemia. No caso da educação, se este trabalho já tivesse sido feito, não teríamos este cenário dramático agora”, ressalta.
Para isso acontecer, além de infra-estrutura, é preciso ter clareza de que há outras questões associadas: os licenciamentos, os softwares, a proteção de dados, destaca. “Há muito tempo isso vem sendo discutido. Com muito esforço, fomos construindo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – a cada passo, uma facada, uma ameaça de transformar o avanço em retrocesso”.
“Na pandemia, fomos obrigados a ficar em casa, sem estrutura e sem este acesso adequado. As grandes corporações das plataformas privadas encontraram o cenário perfeito, junto às fundações como as de Paulo Lemman, ou o Instituto Ayrton Senna, para transformar esta crise da educação na pandemia em um negócio altamente lucrativo. O que vemos, neste momento, é um favorecimento absurdo aos grandes grupos que dominam o mercado para que dominem, também, o ecossistema de educação, ciência e tecnologia”, argumenta. “Podem anotar que, se este modelo vigorar de fato, eles nunca mais sairão”.
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#23PlenariaFNDC
Com início nesta sexta-feira (9/10), a 23ª Plenária Nacional do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) continua nos dias 13, 16 e 17 de outubro. São mais dois painéis temáticos e uma plenária final, que aprovará o Plano de Ação da entidade para os próximos anos. Acompanhe os debates dos painéis temáticos pelo canal de Youtube FNDC Brasil e pela página do FNDC no Facebook.
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Fonte: FNCD | Escrito por: Felipe Bianchi/Barão de Itararé