Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Santa Catarina, Olinda, entre outras, são apenas algumas das cidades desse imenso Brasil que respiraram a animação nessa época do ano. Estamos no início do mês de março de 2025, pós-Carnaval, que aconteceu no mundo inteiro, e aqui no Rio Grande do Sul, mais especificamente na Capital, Porto Alegre, o silêncio foi ensurdecedor. Torturante e repressor. Ainda mais com esse calor fora das proporções ditas “normais” e que seria um convite perfeito para a diversão, para o empreendedorismo e para a divulgação de nossa cultura. Só que nada aqui aconteceu “oficialmente”. Claro que a criatividade de nosso povo é algo fantástico. E em um rápido passeio, em diferentes bairros, dava para perceber a alegria nas rodas de samba, nos blocos improvisados e nas conversas animadas, ainda mais depois de ganharmos um prêmio inédito na cerimônia realizada no último domingo, 2, em Los Angeles, nos Estados Unidos: o de Melhor Filme Internacional, com “Ainda Estou Aqui”, que superou concorrentes da Dinamarca, da França, da Alemanha e da Letônia.
O Oscar, anunciado pela atriz Penélope Cruz, premiou um longa que mostra o endurecimento da ditadura militar, onde a família Paiva – Rubens, Eunice e seus cinco filhos – vive à beira da praia em uma casa de portas abertas para os amigos até que um dia o patriarca, Rubens Paiva, é levado por militares à paisana e desaparece. Essa obra dirigida por Walter Salles, a partir do livro homônimo de autoria de Marcelo Rubens Paiva, e com Fernanda Torres e Fernanda Montenegro como protagonistas, interpretando Eunice Paiva, ao lado de Selton Mello como Rubens, foi o calor e a emoção que trouxeram luz e alegria para as nossas tristes noites. Isso prova que ninguém pode apagar a catarse e a memória positiva de um povo. Mesmo que algumas correntes, de forma descarada e escancarada, tentem boicotar mais essa façanha nacional, na tentativa de mais uma vez colocar para baixo do tapete as verdades que precisamos dizer.
Claro que tivemos momentos de alegria no nosso Estado. Em eventos, na sua grande maioria, particulares, e com valores elevados, em que só entra quem pode pagar. Foi assim nos inúmeros bares e clubes que precisaram se adequar às demandas e fornecer folia, mediante pagamento, para quem teria o direito e a obrigação de receber de graça. Afinal, são esses momentos que recarregam nossas baterias para podermos enfrentar com leveza os desafios futuros. Uma das poucas exceções, no último dia de Carnaval, foi o encontro mágico de pessoas para acompanhar, em Arroio do Meio, a 47ª edição da Romaria da Terra que luta por dignidade, e onde ocorreu a distribuição de sementes para agricultores que perderam tudo na enchente. Onde a fé, a solidariedade e a esperança uniram pessoas para resistir e preservar o nosso meio ambiente. Foi uma atividade programada e de graça que trouxe alegria para uma multidão.
Esse é o balanço de um plantão que não existiu porque as autoridades que deveriam incentivar a alegria de sua população barraram de forma arbitrária uma das festas populares mais reconhecidas do universo. E mesmo assim, ainda estamos aqui: esperançando. Porque esperançar é necessário. Mas foi importante manter contato com a nossa categoria e deixar registrado que caso ocorresse alguma situação de desrespeito, de agressão ou de intimidação contra colegas jornalistas nós, sim, estaríamos aqui para agir. Também aproveitamos para acompanhar os acontecimentos e, tenham certeza, foi triste verificar que muitas situações, que já deveriam ter outro desfecho, continuam incomodando e, pasmem, caindo no puro esquecimento coletivo como se agressões, intimidações e desrespeito sejam coisas normais.
E um desses fatos, talvez o mais traumático, tenha sido a forma como alguns veículos de comunicação trataram a cobertura da liberação de uma menina vítima de sequestro e de estupro em Tramandaí, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, na quarta-feira, dia 26 de fevereiro, véspera de um feriado nacional. O Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS) repudia, veementemente, esse tipo de tratamento em que a vítima é exposta e mais uma vez agredida pela sociedade. O fato de populares terem usado os seus telefones celulares para gravar a manifestação, com a vítima sendo amparada por familiares, não dá o direito de um veículo ou canal usar essas imagens. O mais grave foi um canal ter divulgado o nome da vítima (mais tarde apagado da postagem), o que configura crime conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Acesso à Informação (LGPD). Essa menina de 9 anos, que por dois dias ficou sob cárcere do abusador, carregará cicatrizes pelo resto de sua vida. Liberta, precisou ver a fúria dos populares contra o seu algoz e ainda teve o nome revelado. Está mais do que na hora de alguns veículos de imprensa repensarem a forma como estão trabalhando. Um clique não vale mais do que a vida de uma pessoa.
O início desse novo ano já foi complexo e desafiador com as inúmeras tentativas de permitir, em diferentes municípios, através de projetos de lei, que o cargo de Assessor de Comunicação, essencial para a credibilidade e transparência do Poder Legislativo, seja ocupado por maiores de 18 anos, sem a formação adequada, comprometendo, assim, a qualidade das informações divulgadas e enfraquecendo o papel do Jornalismo como pilar da democracia. Optar que o exercício profissional seja realizado por pessoas que não possuem o mínimo de preparo, que não estudaram sobre ética, responsabilidade social da comunicação, desinformação, fake news e muitas outras teorias necessárias para o fazer JORNALISMO é uma temeridade. Além de desvalorizar o jornalismo, a decisão enfraquece a transparência e o acesso à informação, prejudicando o trabalho das bancadas e a conexão com a população. O momento exige resistência para garantir que a comunicação nos mandatos seja técnica, ética e democrática. Esse tipo de retrocesso prejudica não só a classe, mas também a sociedade como um todo. Um país que não respeita os trabalhadores da Imprensa e desconhece seu papel fundamental em informar a sociedade é um país com sua democracia em risco.
E as denúncias, mesmo em um período em que muitas pessoas deveriam estar aproveitando as suas merecidas férias, continuaram chegando pelos diferentes canais de comunicação do SindJoRS. Podemos dizer que são mais pedidos de socorro e de apoio, até emocional em muitos casos, já que, infelizmente, ainda não temos o poder fiscalizador de um Conselho de Classe para poder coibir esses retrocessos. Mas, temos força para cobrar mudança de postura e, se for o caso, denunciar ao Ministério Público e ao Ministério do Trabalho para que sejam tomadas as atitudes necessárias. São dúvidas de jornalistas sobre Concurso Público e irregularidades que são praticadas em relação à profissão. Profissionais desrespeitados e colocados em risco em locais insalubres para o exercício profissional. Descasos e esquecimentos com os pagamentos de horas extras, viagens, adicionais noturnos e muitos outros benefícios que são conquistas coletivas asseguradas em Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) que foram mediadas entre o SindJoRS, entidade representante das e dos jornalistas, e os sindicatos patronais. Precisamos (re)lembrar tudo isso em muitos momentos, quase que semanalmente, para garantir o cumprimento do acordado e a segurança de nossa categoria.
E ainda temos os estudantes, que nos procuram para tirar diferentes dúvidas, solicitar orientação e denunciar perseguição política em seus locais de trabalho. Isso mesmo. Pasmem. Um espaço que deveria ser de aprofundamento, para que as e os futuros profissionais tenham condições de executar a sua práxis (colocar em prática a teoria recebida) acaba sendo espaço de intimidação e perseguição política. Segundo as “Orientações gerais para a construção de regulamentos de estágio curricular supervisionado em jornalismo”, da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), “O estudante-estagiário não pode substituir o jornalista no mercado de trabalho: o Estágio Curricular Supervisionado é voltado para aprimorar a formação do estudante de Jornalismo. Em hipótese alguma deve servir para atender às necessidades empresariais ou do mercado ou isentar a instituição de ensino de oferecer aos seus alunos as demais condições e estruturas para a formação, como por exemplo, as atividades laboratoriais”. Se o estudante está em um local para aprender e entender os mecanismos de sua futura profissão, quem pode censurar a sua atuação individual pela luta de justiça coletiva? Lembrando, sempre, que a livre expressão é um direito fundamental e que a Constituição Federal garante a todos a liberdade de manifestação do pensamento. E assim deve ser assegurada. Punir quem está em evolução e quer ajudar em mudanças é, no mínimo, autoritário demais.
E esses foram apenas alguns dos fatos que precisamos, de alguma forma, intervir com um posicionamento institucional e procurar demonstrar, aos que deveriam colocar em prática direitos assegurados, que vamos continuar lutando por espaços mais verdadeiros e mais reais de valorização profissional e de crescimento individual e emocional de nosso coletivo. Quando algumas pessoas perguntam: Para que serve um Sindicato? O que eu tenho para ganhar? Quais são os meus benefícios? Ou seja: quando cada um está pensando apenas em suas vantagens, sugiro a leitura rápida da Convenção Coletiva de Trabalho vigente com suas quarenta e nove cláusulas de direitos que só foram conquistados para TODAS E TODOS os JORNALISTAS porque um grupo de pessoas acreditou que juntos somos bem mais fortes e podemos, sim, mudar uma realidade opressora sem deixar que essas trevas ganhem força para prejudicar emocionalmente e financeiramente quem dedica a sua vida em informar com qualidade e responsabilidade. E nós ainda estamos aqui! Seguiremos vigilantes e na defesa do jornalismo profissional e vamos cobrar, dessas empresas e instituições públicas ou privadas, que a nossa categoria seja respeitada e valorizada, garantindo à sociedade acesso à informação ética e plural.
Texto e arte: Laura Santos Rocha / Diretoria SindJoRS