Porto Alegre, Novo Hamburgo, Pelotas registraram manifestações antirracistas a antifascistas em dia nacional de luta

 

O Dia Nacional da Consciência Negra, neste sábado, 20 de novembro, foi de luta em diversas cidades do Brasil. No Rio Grande do Sul, milhares de pessoas saíram às ruas contra o racismo e contra Bolsonaro. O movimento negro puxou os atos junto das entidades que integram a Campanha Nacional Fora Bolsonaro, sob o mote #ForaBolsonaroRacista, denunciando que a população negra é a que mais sofre com o aumento da fome, do desemprego, com a pandemia e com as políticas e ataques do governo federal.

 

Em um sábado ensolarado no estado, caminhadas e intervenções com muita expressão cultural, música, danças e cores aconteceram em Novo Hamburgo, Pelotas e Porto Alegre. Durante a tarde, a página do Brasil de Fato RS se uniu em rede a um grupo de veículos independentes do estado e transmitiu ao vivo o ato de Porto Alegre, além de acompanhar os principais destaques da mobilização pelo país. Assista:

 

 

População negra é a mais desfavorecida

O RS tem cerca de 2,3 milhões de habitantes autodeclarados como pessoas negras (pretas e pardas), representando 21% da população. Contudo essa população está em desvantagem em diversos segmentos da sociedade, como aponta o relatório Panorama das desigualdades de raça/cor no Rio Grande do Sul, elaborado pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE), vinculado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) do governo estadual.

 

Divulgado nesta sexta-feira (19), o estudo evidencia o racismo brasileiro. Aponta que a população negra no RS tem as maiores taxas de analfabetismo do que entre brancos, diferenças significativas nas taxas de Ensino Superior completo, maior distorção idade-série (percentual de alunos que têm idade acima da esperada para o ano em que estão matriculados). Tem também maior risco de óbito por covid-19 entre pessoas com mais de 60 anos e maior taxa de desemprego em relação aos brancos. Aqui o estudo completo.

 

Marcha Independente Zumbi Dandara em Porto Alegre

 

Linha de frente da marcha passando pela Av. Borges de Medeiros / Foto: Silvia Fernandes/Simpa

 

A Marcha Independente Zumbi Dandara, após ter sido suspensa em 2020 por conta da pandemia de covid-19, retornou às ruas de Porto Alegre neste ano em que é celebrado o cinquentenário do Dia da Consciência Negra. A data foi idealizada na capital gaúcha, em 1971, pelo poeta e militante negro Oliveira Silveira e pelo Grupo Palmares.

 

Muitos foram ao ato com as vestimentas tradicionais das religiões de matriz africana / Foto: Silvia Fernandes/Simpa

 

Com faixas, cartazes, tambores, capoeira, manifestações artísticas e carro de som, o ato reuniu uma diversidade de movimentos sociais, sindicais e estudantis, povos de terreiro, quilombolas, lideranças políticas e apoiadores. Milhares de pessoas se concentraram no Largo Glênio Peres a partir das 15h30 e seguiram em caminhada até o Largo Zumbi dos Palmares.

 

Intervenção dos Artista na Rua mostra onde Bolsonaro deveria estar / Foto: Silvia Fernandes/Simpa

 

Vereadora suplente da Capital, Reginete Bispo (PT) destacou a importância dos partidos políticos incorporarem na sua centralidade as lutas antirracista feminista. “Nós vimos que a nossa democracia é falha e muito frágil quando deixa esses grupos populacionais tão importantes e tão fundamentais em segundo em plano. Para ter democracia é necessário que toda pluralidade esteja presente nesse espaço de representação, e quem faz isso é o partido político. Por isso nós devemos cobrar, trabalhar nos nossos partidos para que a pauta racial, a luta antirracista e a luta feminista estejam presentes por um país feminista e antirracista.”

 

Estudantes na marcha / Foto: Jorge Leão

 

Onir Araujo, advogado da Frente Quilombola RS, ressaltou os ataques às comunidades quilombolas no estado e no país, que recrudesceram na pandemia. Ele expôs que em Porto Alegre, por exemplo, houve quatro tentativas de esbulho e três tentativas de reintegração de posse. “É um quadro muito difícil e que nesse último ano com o avanço dos projetos imobiliários na Capital ficou acentuado”, pontuou, citando os casos das torres do Beira Rio, da Fazenda do Arado, no eixo da Nilo Peçanha, o Jardim Botânico.

 

Quilombos urbanos da capital gaúcha presentes na Marcha Independente Zumbi Dandara / Foto: Jorge Leão

 

“Esses empreendimentos avançam na cidade sem qualquer contrapeso da legislação ambiental e sem consultar as comunidades quilombolas, o que afronta a convenção 169 da OIT. Fora isso muita pressão, pistolagem e violência”, disse Onir. “Estamos com os processos de demarcação e titulação paralisados há vários anos. Estamos sofrendo um processo de revisão de relatórios técnicos completamente arbitrário. Nesse 20 de novembro é o momento para que a gente afie a lança”, completou.

 

Intervenção no viaduto da Borges durante o ato / Foto: Silvia Fernandes/Simpa

 

Batendo um tambor, a vereadora Daiana Santos (PCdoB), intercalava suas falas denunciando os ataques racistas com a importância da resistência nesse 20 de novembro. “Não podemos sucumbir nesse estado que é o mais desagregador e racista do Brasil. Não se curvem. Somos muito mais e exigimos nosso direito à vida, acesso às políticas públicas, dignidade, respeito, responsabilidade”, ressaltou a parlamentar. Ela destacou a participação da Bancada Negra de Porto Alegre, da qual faz parte. “Esses cinco jovens que hoje estão na Câmara de Vereadores, que sejam 10, que sejam 20 e que abram caminho para uma política pública para todos os demais. Somos a transformação!”

 

Vereadoras do PCdoB, integrantes da Bancada Negra, Daiana Santos e Bruna Rodrigues, acompanhadas de Manuela d’Ávila / Foto: Silvia Fernandes/Simpa

 

“Deu um trabalho do caramba construir essa marcha, fazer a disputa pelos 50 anos da consciência negra. Não tem que ser uma festinha. Temos muito pouco o que comemorar. Estamos no pior momento do nosso povo em relação à segurança sanitária, à violação dos territórios negros, à política de emprego para nossa juventude”, ressaltou a vereadora Karen Santos (PSOL).

 

Expressão “Fora Bolsonaro Racista” apareceu em peso na manifestação / Foto: Silvia Fernandes/Simpa

 

Ela reforçou em sua fala os acordos que estão acontecendo na cidade, em que “grileiros e a burguesia da cidade, com a especulação imobiliária” querem construir torre em cima de território negro e de povos originários. Também lembrou das agressões perpetradas na Câmara de Vereadores. “Vamos parar de chamar aquela casa do povo, porque toda vez que o povo vai lá é maltratado, massacrado, chamam a guarda e nos impedem de fazer a luta política dos nossos direitos”, criticou Karen Santos.

 

Leandro Rosa foi um dos militantes que distribuiu a atual edição impressa do Brasil de Fato RS na manifestação / Foto: Jorge Leão

 

Durante o ato, os manifestantes lembraram ainda da morte de Beto, João Alberto Silveira Freitas, brutalmente assassinado na véspera do 20 de novembro de 2020 por dois seguranças de uma unidade do supermercado Carrefour em Porto Alegre. A torcida organizada os Farrapos, do Zequinha, clube de futebol que Beto era torcedor, levou uma faixa dizendo: Nego Beto Eterno. Após um ano do assassinato, os acordos firmados pelo supermercado e pela empresa de segurança Vector são questionados pelos advogados, que consideram que os temos desrespeitam a lei e mascaram crime de racismo.

 

Ato em Novo Hamburgo

 

Ato em Novo Hamburgo, Região Metropolitana de Porto Alegre / Foto: Fabiana Reinholz

 

Em Novo Hamburgo, Região Metropolitana de Porto Alegre, manifestantes realizaram uma marcha pelo centro da cidade, pela manhã, ao som de tambores e músicas de protesto. Durante o trajeto, várias manifestações de solidariedade, ora com pessoas de punhos levantados, ora aplaudindo ou buzinando.

 

Vanessa Stibel / Foto: Fabiana Reinholz

 

“É necessário que todos que possam venham às ruas para mostrar para quem diz que no Brasil não existe racismo, que ele existe sim”, afirmou Vanessa Stibel da Silva, 42 anos, terapeuta holística, diarista e assistente administrativa. “Somos o povo que é o mais abordado e assassinado pela polícia, pelas autoridades, que tem os salários mais baixos, menos condições de educação. As mulheres negras são as que mais sofrem violência doméstica”, pontuou.

 

Danussa Leão / Foto: Fabiana Reinholz

 

A vice-presidenta estadual da União Brasileira de Mulheres (UBM), Danussa Leão da Silva, destacou a importância dos 50 anos do 20 de novembro em um contexto de retrocessos no debate antirracista durante o governo Bolsonaro. “Todas as políticas públicas que estavam em debate foram por água abaixo por conta desse governo racista, machista, homofóbico. Hoje, como todos os dias, é importante demarcar território, falar com as pessoas, debater a importância do Fora Bolsonaro”, afirmou.

 

Eduardo Gomes da Silva, conhecido como Tamboreiro / Foto: Fabiana Reinholz

 

Integrante do movimento hip-hop de Novo Hamburgo e do Movimento Negro Unificado (MNU), Eduardo Gomes da Silva, conhecido como Tamboreiro, disse que o ato Fora Bolsonaro organizado junto com os movimentos sociais negros é importante para que a população possa fazer uma análise do que está acontecendo no país. “Um país negacionista que, durante essa pandemia, não teve um olhar do governo sobre as comunidades mais vulneráveis. Essa pandemia tem destruído as comunidades negras e indígenas e por isso estamos aqui gritando ‘Fora Bolsonaro’ imediatamente, para que a gente possa ser feliz e sorrir novamente.”

 

Paulo Rogério Lourenço / Foto: Fabiana Reinholz

 

Conforme apontou o metalúrgico aposentado Paulo Rogério Lourenço, a população negra tem consciência da importância do movimento bem antes da data ser reverenciada. “A gente conhece a discriminação na carne, desde a nossa infância a gente nota essa questão. De estudar na escola pública na periferia, no nosso emprego, no nosso trabalho. Sempre notamos essa diferença, somos blindados para os cargos de chefia”, criticou.

 

Juarez “Negrão” / Foto: Fabiana Reinholz

 

Para Juarez “Negrão”, servidor público na escola Paulo Suarez de Porto Alegre, o ato materializa a denúncia pública contra o governo federal, que legitima um processo de violência em todo o país. “Nessa gestão de Bolsonaro foi constatada uma série de violências, em especial às comunidades pobres. No Dia da Consciência Negra isso tem que ser evidenciado”, criticou.

 

Ato em Pelotas

 

Ato em Pelotas / Fieica-RS e Sindicatos filiados

 

Na cidade de Pelotas, no Sul do estado, ocorreu a Marcha Griô Sirley Amaro na manhã desta sábado. Os movimentos sociais realizaram uma caminhada pelo centro da cidade, que encerrou no Mercado Central. Confira parte da marcha no vídeo abaixo:

 

Estudantes na luta antirracista

 

A União Brasileira de Estudantes Secundarista (UBES), em parceria com alunos da rede pública estadual, fez uma intervenção nas escolas da cidade / Foto: Divulgação

 

Em Porto Alegre, ainda na sexta-feira (19), a União Brasileira de Estudantes Secundarista (UBES), em parceria com alunos da rede pública estadual, fez uma intervenção nas escolas da cidade, nomeando-as com nomes de personalidades negras.

 

Jovem e negro, o presidente da UBES, Alejandro Guerrero, diz que a intervenção de caráter simbólico partiu de uma inquietação dos estudantes e busca provocar a reflexão sobre as referências que são homenageadas com seus nomes em escolas, ruas ou locais públicos. “A gente percebe que o que acontece no Rio Grande do Sul e no Brasil é um apagamento das pessoas negras que contribuíram no processo de formação social do nosso povo”, justifica.

 

Além de Marielle Franco, da ação surgiu a Escola Oliveira Silveira, no lugar da Escola Estadual de Ensino Médio Baltazar, em homenagem ao autor negro gaúcho que fundou o Grupo Palmares, um dos quatro estudantes universitários que apresentou a proposta de tornar 20 de novembro o Dia da Consciência Negra. Os estudantes da Escola Estadual de Ensino Médio Professor Júlio Grau escolheram o nome da ativista e intelectual Lélia Gonzalez, pioneira nas discussões sobre gênero e raça na América Latina.

Tradicional foto das negras e dos negros da UFRGS / Foto: Divulgação

 

Na manhã deste sábado, foi realizada a tradicional foto das negras e dos negros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). Centenas participaram do ato, que ocorre desde 2017. Em seguida, estudantes, professores, técnicos e demais funcionários da instituição se dirigiram ao Centro de Porto Alegre para somarem forças na Marcha Independente Zumbi Dandara.

 

“Foi um momento potente e bonito”, expressou Tamyres Filgueira, coordenadora-adjunta do NEAB e coordenadora-geral da Assufrgs, sindicato dos técnico-administrativos da instituição. Ela recordou que além das mais de 600 mil vidas perdidas na pandemia, boa parte por causa do negacionismo, a educação e a cultura sofrem ataques constantes do governo federal. “Em um contexto tão crítico, é fundamental celebrar o povo negro, historicamente marginalizado e ainda hoje vítima de racismo”, afirmou.

 

Marcelo Ferreira e Fabiana Reinholz | Brasil de Fato | Porto Alegre | 20 de Novembro de 2021, às 19:11

Edição: Marcelo Ferreira e Katia Marko

 

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