O desemprego, a precarização do trabalho, as inovações tecnológicas, a retirada de direitos trabalhistas e os ataques à organização sindical estiveram em debate na oficina híbrida do Coletivo Jurídico da CUT, realizada na manhã da última sexta-feira (29), no auditório do Sindipolo, em Porto Alegre.

 

Sob o mote “Nenhum trabalho sem direitos e sem Sindicatos”, o evento integrou a programação do Fórum Social Mundial Justiça e Democracia, que aconteceu na semana passada na capital gaúcha. Participaram dezenas de advogados, professores de Direito e dirigentes sindicais do Rio Grande do Sul e outros estados, além de técnicos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

 

 

Além de presencial, a atividade, organizada pelo Coletivo Jurídico da CUT-RS em conjunto com a Secretaria de Assuntos Jurídicos da CUT Brasil, foi realizada virtualmente pelo Zoom e ainda transmitida ao vivo pelo Youtube e Facebook.

 

Assista à transmissão da oficina

 

 

Reforma trabalhista piorou condições de trabalho

 

O secretário nacional de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, saudou a iniciativa e chamou a atenção para a atual conjuntura. “A nossa democracia está sendo vilipendiada. Aquele que foi condenado pelo STF ganhou uma graça do presidente da República e fizeram uma comemoração no Palácio do Planalto”, criticou o dirigente.

 

Valeir se referia ao deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) que foi condenado por 10 votos a 1 a oito anos e nove meses de cadeia, perda de mandato e multa por estimular atos antidemocráticos e ataques aos ministros da Corte.

 

 

“Este governo não descansa um minuto para tirar direitos dos trabalhadores”, alertou, salientando que “a reforma trabalhista feita na Espanha não melhorou a vida dos trabalhadores em dez anos e aqui a situação não é diferente desde 2017, pois as condições de trabalho pioraram muito”.

 

Para ele, “o que temos são empregos precários e terceirizados, o que não é bom para os trabalhadores, pois não garantem as condições mínimas de sobrevivência”.

 

Regressão de direitos

 

O assessor jurídico da CUT Brasil, José Eymard Loguercio, destacou que “o neoliberalismo ataca frontalmente as formas de negociação coletiva e não é à toa que pretendem levar os sindicatos a um lugar de regressão de direitos, seja por uma forma de controle financeiro e administrativo, limitando o número de dirigentes sindicais com estabilidade, seja interditando ações sindicais, como no caso das greves com a aplicação de multas altíssimas e a criminalização da greve, da ação sindical e dos dirigentes, seja pelo esvaziamento da existência do sindicato como polo aglutinador de solidariedade”.

 

 

Segundo Eymard, “no lugar reservado pelos neoliberais, o sindicato não tem função política e sim meramente associativa e, portanto, desconhece o seu papel de classe e de luta contra todas as desigualdades, incluindo raça e gênero, que foram o grande motivador do Direito do Trabalho, do ponto de vista de estruturação como sistema de proteção”.

 

Informalidade e precarização

 

A primeira mesa da oficina foi sobre o tema “Sistemas de justiça, democracia e direitos individuais do trabalho”, tendo sido coordenada pelo secretário de Relações de Trabalho da CUT-RS, Paulo Farias.

 

 

A advogada, professora e mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, Luciane Toss fez uma exposição, apontando que a informalidade é uma consolidação do projeto neoliberal e as reformas trabalhistas são a cereja do bolo de um processo que começou nos anos de 1990. A substituição de contratos formais por informais é uma precarização e uma forma de organização produtiva que reconfigura as relações de trabalho e a organização social do trabalho.

 

Para Luciane, as relações trabalhistas têm como objetivos a redução de custo, a debilitação e a supressão de remunerações e direitos e consolidam essa forma precária de contratação. Parte dessas formas estão regularizadas e são formas atípicas, como os contratos por tempo parcial, o trabalho intermitente e a terceirização, dentre outros, formalizando relações jurídicas sem tutelas protetivas.

 

A professora frisou que “os teóricos mais conservadores não falam mais em emprego, mas sim em trabalho e em trabalhabilidade”. David Harvey chama essas massas produtivas de diásporas, pois eram assalariadas e agora têm remuneração de sobrevivência.

 

 

“Ouvimos falar em meritocracia, sucesso, empresário de si mesmo, esforço individual: essa filosofia impacta fortemente as pessoas e sua visão com o sindicato, com o mundo, com a categoria, não consegue formar uma identidade de grupo”, observou.

 

Luciane salientou que a inovação tecnológica é uma estratégia do capital como desregulamentadora de direitos e de supressão de redes sociais de apoio e representação, e as pessoas não resistem coletivamente.

 

Conforme a advogada, o Direito do Trabalho é um ramo que protege a relação jurídica de quem vive do trabalho. Tirando o contrato formal, esse direito para de proteger essas pessoas e é um problema que temos que resolver, uma vez que para a Justiça do Trabalho não estão configurados os requisitos da relação de emprego. “O alcance de direitos tem que chegar nas pessoas informais”, ressaltou, propondo recuperar a centralidade do trabalho.

 

 

Desafios do sindicalismo brasileiro

 

A mestre em Sociologia do Trabalho da USP e técnica do Dieese, Adriana Marcolino, fez uma apresentação sobre” a precarização e os desafios do sindicalismo brasileiro”. Ela salientou que a precarização, segundo vários pesquisadores, já esteve presente na transição entre trabalho escravo e assalariado, e sofre mutações, mas existe sempre.

 

“A precarização atual é reconfigurada e ampliada, o que resulta em regressão social que atinge diferentes grupos, volatilidade e insegurança. A partir dos anos de 1970, a precarização estrutural se renova com novas formas de intermediação de mão de obra”, destacou.

 

 

Ela trouxe um conjunto de problemas, começando que os sindicatos representam os trabalhadores e as trabalhadoras formais, que são hoje apenas 38% da força de trabalho.

 

Outros problemas são os contratos precários; as diferenças de gênero e as estruturas distintas; as novas tecnologias precarizantes; a desestruturação do mercado de trabalho pela crise e a pandemia; e a retirada de direitos trabalhistas e sindicais, apontou.

 

“Como garantir a representação sindical de todos os trabalhadores – informais e formais precários inclusos e promovê-la”, perguntou. “Quais as novas formas de mobilização e organização”, desafiou os sindicalistas.

 

 

Ao encerrar a mesa, o advogado Ramiro Castro analisou “o conjunto de reflexões e propostas que pretendem contribuir para superar as históricas assimetrias do mundo do trabalho brasileiro, retomando a centralidade do trabalho e a garantia da necessária efetivação de um sistema que proteja a todos e garanta direitos”.

 

Ele enfatizou que “a opção política e jurídica de afastar a informalidade da rede de proteção social, da seguridade social, é um debate antigo no Direito do Trabalho e é algo que precisamos rever”.

 

“Precisamos retomar e revisar bandeiras históricas, inclusive no sentido de proposição de políticas anticíclicas e de geração de empregos, com o Estado atuando fortemente para diminuir a informalidade, ao mesmo tempo em que não deixe mais desamparados aqueles que não tiverem a carteira assinada, assim como a luta pela redução da jornada para 40 horas semanais”, disse.

 

Para Ramiro, “é Importante a retomada do papel do Estado como indutor do crescimento e de fomento ao trabalho, garantidor do pleno emprego”.

 

 

Déficit democrático do direito empresarial de trabalho

 

A segunda mesa da oficina abordou o tema “Sistema de justiça, democracia, direito coletivo e ação sindical”, sendo coordenado pela secretária de Formação da CUT-RS, Maria Helena de Oliveira.

 

O advogado, professor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília, João Gabriel Lopes, alertou que “o neoliberalismo é uma das facetas do capitalismo, desenvolvida teoricamente a partir da década de 1930 para permitir a sua renovação”.

 

 

Ele chamou a atenção para a financeirização e a austeridade, que o neoliberalismo aponta como sintoma e solução, a ampliação da concorrência global, a deslocalização das relações pessoais e materiais, a difusão neocolonial do neoliberalismo, o autoritarismo econômico com a destituição da política e os prejuízos ao esboço de estado social e deslegitimação sindical.

 

João Gabriel apontou o déficit democrático do direito empresarial de trabalho, a generalização da informalidade e a chegada da fragmentação social ao trabalho formal; os sindicatos, sistema de justiça e permeabilidade à coletivização dos direitos do nosso tempo.

 

Há ainda uma contradição, segundo ele, entre “a impossibilidade de abrir mão da disputa desses espaços e a necessidade de recusa de uma ordem social que não dê conta da crise do mundo do trabalho, da espoliação social e racial e da crise ecológica”.

 

 

Neoliberalismo e a centralidade no indivíduo

 

A professora de Direito do Trabalho da Universidade de Brasília, Renata Dutra, destacou que “há dois elementos importantes para analisar a relação entre neoliberalismo e democracia e entre neoliberalismo e movimento sindical, que são duas questões indissociáveis”

 

“Um dos pontos fundantes da narrativa do neoliberalismo é a centralidade atribuída ao indivíduo. É um pilar que vai se desdobrar para múltiplas dimensões da experiência e da regulação do trabalho”, destacou. “O trabalho deixa de ser um espaço onde o indivíduo projeta sentido, convive e constrói coletivamente e, por consequência, resiste e se identifica com o outro e reivindica além da exploração”, explicou, o que fragiliza a negociação coletiva.

 

“Outro pilar do neoliberalismo é o avanço dos atos de antissindicalidade”, disse. Renata. “As perspectivas autoritárias e antidemocráticas estão atreladas inevitavelmente ao neoliberalismo e vão se manifestar cada vez mais e com ampla tolerância dessas práticas na sociedade”, alertou.

 

A advogada Gabriela Piard salientou que o neoliberalismo traz práticas de convívio social individualista que não se restringem apenas ao trabalho, mas sim à sociedade em geral. “É o discurso empreendedor, que cada um vence por si, a meritocracia”, explicou.

 

 

Temos que nos preparar para um novo ciclo

 

Houve ainda manifestações de outros advogados e dirigentes sindicais, aprofundando os debates sobre os temas propostas, o que mostra a importância do Coletivo Jurídico da CUT para dialogar e enfrentar os desafios no mundo do trabalho.

 

Após o encerramento, o advogado Antonio Escosteguy Castro fez um balanço positivo da oficina e lançou um olhar para frente. “Nós estamos interrompendo, se Deus quiser, um ciclo de perdas de direitos, representado pelas reformas trabalhista e da Previdência, que reduziram direitos e a eficácia sindical. Temos que nos preparar para uma nova etapa. Um novo ciclo de retomada e reconstrução.”

 

Assista à avaliação do advogado

 

 

Fotos: Carolina Lima / CUT-RS | Fonte: CUT-RS