Mais de 3 mil pessoas saíram às ruas de Porto Alegre na manhã ensolarada desta quarta-feira, 7 de setembro, no 28º Grito dos Excluídos e das Excluídas. Movimentos populares, pastorais sociais, centrais sindicais e partidos de esquerda celebraram a vida e a democracia, protestaram contra as ameaças de golpe e reivindicaram comida, terra, teto e trabalho para o povo brasileiro.

 

A mobilização foi realizada no bairro Partenon, na zona leste da capital gaúcha. Nas faixas e cartazes, os participantes defenderam “vida em primeiro lugar” e questionaram: “200 anos de (in)dependência, para quem?”. Não faltaram gritos de “fora Bolsonaro” e “Lula presidente”, dentre outros.

 

 

Por volta das 9h, começou a concentração na Rua Vidal de Negreiros, em frente à igreja São José do Murialdo. “Nós, do Santuário de São José do Murialdo, abrimos as nossas portas e o coração para acolher esse movimento nacional do Grito dos Excluídos, daqueles que não têm quem os defenda de verdade porque ainda falta compromisso e responsabilidade com os sofredores”, afirmou o padre José Bispo. “Nós queremos pedir que todas as famílias tenham condições de vida com dignidade.”

 

 

Antes do início da caminhada, houve uma apresentação cultural de um grupo de indígenas. O vice-cacique Moisés da Silva, da aldeia kaingang Fág Nhin, da Lomba do Pinheiro, foi um dos presentes. “Estamos aqui na luta. A fome bateu para todos, mas unidos vamos conseguir vencer”, disse.

 

“Nesse momento, a nossa bandeira é a bandeira da paz em primeiro lugar. A vinda de outro governo trará uma esperança para nós, povos indígenas, dos territórios indígenas e também para a nação brasileira, disse Moisés.

 

 

Vida e democracia: não ao golpe

A marcha passou pela Rua Primeiro de Setembro e pela Avenida Bento Gonçalves, seguindo até a Praça Francisco Alves.Teve seis paradas e cada uma delas abordou uma temática.

 

 

Na concentração, o tema foi a democracia. Ao passar em frente à Unidade de Saúde Santo Alfredo, os manifestantes defenderam o Sistema Único de Saúde (SUS), o direito à saúde e o pagamento do piso nacional da enfermagem.

 

Ao parar nas imediações do Carrefour, houve gritos antirracista contra a violência e o preconceito que matam, sobretudo a população negra. Foi lembrado o homem negro João Alberto Freitas, que foi espancado até a morte por seguranças no estacionamento de um dos supermercados da rede na capital gaúcha, em novembro de 2020.

 

 

Em seguida, diante do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), foi defendido o direito à água com protestos contra o processo em andamento de privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) pelo governo tucano e em defesa do Dmae. Também foi destacado a recorrente falta de água nas comunidades da região. “A nossa luta é todo dia, água não é mercadoria”, gritaram.

 

 

Houve ainda gritos em defesa da educação nas proximidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

 

 

No encerramento, na Praça Francisco Alves, ao lado da igreja São Judas Tadeu, foi erguido o grito pelo direito ao trabalho com empregos decentes e renda, contra a precarização, para garantir o sustento das famílias com dignidade.

 

Ao final, em torno do meio-dia, foi realizado um ato inter-religioso em forma de jogral com manifestações de várias igrejas e crenças.

 

 

E a cozinha comunitária do Morro da Cruz entregou marmitas para o almoço, enquanto o MST distribuiu um quilo de arroz orgânico para cada participante levar para casa.

 

 

O dirigente estadual do MST, Gerônimo Pereira da Silva (Xiru), ressaltou que o MST sempre foi parceiro na organização do Grito.“Esse é o grito que diz não aos milhões de desempregados no Brasil, que diz não à fome que assola mais de 31 milhões de pessoas. Nós, enquanto MST, queremos trazer aqui a nossa ação de solidariedade de trabalhador e trabalhadora do campo com os trabalhadores e as trabalhadoras da cidade”, disse.

 

Indepedência tem que ser para o povo

O presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, destacou o povo está querendo a independência para si. “O povo quer trabalho, quer comida, quer teto, quer emprego, quer saúde, quer terra para trabalhar, produzir e alimentar a população. Nesses 200 anos da independência, o Brasil ainda precisa abandonar essa escravidão que permanece. Nós queremos um Brasil para todo o povo brasileiro, com trabalho, renda, teto, terra, saúde e vida”, disse.

 

 

Para o dirigente sindical, só existe independência, soberania e democracia, se houver trabalho para as famílias viverem dignamente. “Precisamos de trabalho digno e esse golpe contra a democracia é um golpe contra o trabalho, porque nos retiraram direitos e jogaram a população brasileira na fome, no desemprego, na miséria”, criticou.

 

“É por isso que hoje, 7 de Setembro, é o dia de celebração da nossa luta por terra, trabalho, comida, por vida, democracia. É uma marcha que só termina quando nós incluirmos o Brasil de volta no mundo dos direitos, no mundo mais justo, um país soberano para a maioria da população brasileira excluída do mundo dos direitos, do trabalho, da dignidade, da vida e da democracia”, acrescentou Amarildo.

 

Povo organizado é que faz a diferença

O secretário de Administração e Finanças da CUT-RS, Antônio Güntzel, frisou que o Grito convida a população a refletir. “Gritamos por terra, por teto, por comida no prato, por emprego decente. Estamos aqui junto com os movimentos sociais chamando a população para uma reflexão, já que nosso país atravessa um período de desemprego, de fome, de miséria e nós precisamos reverter esse quadro. Esse é o grito da esperança”, enfatizou.

 

 

O secretário de Organização e Política Sindical, Claudir Nespolo, fez uma retrospectiva do Grito, que ocorre desde 1995. “Interessante que o Grito dos Excluídos, quando foi criado, enfrentava a fome, o desemprego e a perda de soberania, num período em que o neoliberalismo atacava a classe trabalhadora. Agora, depois de um período de inclusão social, voltamos para a estaca zero. O Grito do bicentenário da independência pauta novamente o problema da fome, do desemprego, da concentração da renda e dos ataques à democracia”, destacou.

 

 

Claudir falou ainda que a soberania se conquista nas ruas. “De fato o voto pode nos levar a uma situação de melhorar ou piorar a vida, mas não basta porque essa situação a que chegamos hoje começou com um golpe, em 2016. O voto é muito importante, mas não é tudo. Povo organizado é tudo e o grito é povo organizado para antes, durante e depois das eleições”, salientou.

 

Um grito contra o racismo e o machismo

Para a secretária de Combate ao Racismo da CUT-RS, Isis Garcia,“o Carrefour é o símbolo mais explícito do racismo estrutural. Existe e existiu um treinamento que está baseado em cima do racismo. A morte de João Alberto jamais será esquecida. Um homem negro fazendo suas compras deveria ter sido respeitado e protegido pela segurança, mas que o transformou em vítima”.

 

Isis apontou que é necessário boicotar esses lugares que fomentam o extermínio para combater o racismo. “O Grito dos Excluídos e das Excluídas é também o grito contra o racismo”, enfatizou.

 

 

A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-RS, Mara Weber, destacou a luta das mulheres e apontou a necessidade de combater a fome com ações concretas. “O MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina e tem na sua origem a construção de uma outra sociedade. É isso que nós estamos celebrando aqui. Uma sociedade onde não haja exclusão, opressão, onde a gente possa viver em paz, onde as mulheres possam viver num mundo sem violência, sem racismo e sem lgbtfobia”, disse.

 

Mara ainda defendeu que “comer é um direito fundamental da humanidade. Estamos combatendo a fome, o desemprego e lutando por uma democracia que garanta a inclusão de todos, todas e todes”.

 

 

Construção de um mundo do bem viver

Para a representante da Cáritas-RS, Roseli Dias, uma das entidades organizadoras do ato, a manifestação cumpriu com as expectativas. “Um dia lindo, uma participação bastante expressiva, pessoas de todas as cores, de todas as idades, idosos, crianças, mulheres, homens, jovens, negros, indígenas, brancos, trabalhadores e trabalhadoras que entenderam a importância de estarem nas ruas neste 7 de setembro em defesa da vida e da democracia.”

 

Segundo ela, foi a oportunidade de dizer que as violências praticadas contra o povo não podem mais continuar. “É isso que nos move a estar nas ruas pacificamente, respeitosamente, cantando, rezando e se manifestando”, disse.

 

 

O professor e escritor Pedrinho Guareschi frisou que o Grito não é de revolta, mas sim profético. “Os profetas faziam isso, eles denunciavam o que estava errado e anunciavam o que devia acontecer. Por isso, estamos aqui e muitas vezes, como os profetas, a gente também sofre limitações, perseguições. Mas essa perseguição dá vida”, afirmou citando as perseguições e prisões de Lula, Mandela, Marting Luther King e Mujica, dentre outros.

 

 

A representante do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), Vera Ione, ressaltou participar do ato para ajudar as pessoas que não têm onde morar. “Esse é o nosso movimento aqui, para lutar por uma moradia melhor. E vamos tirar o Bolsonaro e pôr o Lula no lugar. Viva a luta pela moradia”, afirmou a moradora da ocupação Justo, em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre.

 

 

Para o coordenador do Conselho Indigenista Missionário Regional Sul (Cimi-Sul), Roberto Liebgott, o Grito de 2022 é de denúncia sobre os retrocessos que acontecem no Brasil. “É um apelo para que a gente renove, comece tudo de novo diante de um processo brutal de desconstrução dos direitos humanos e sociais, e um chamamento para que todos possam estar unidos na perspectiva da construção de um país e de um mundo do bem viver”, declarou.

 

Assista à transmissão

 

 

Assista à reportagem do Seu Jornal da TVT

 

 

Fotos: Carolina Lima / CUT-RS |  Fonte: CUT-RS com Brasil de Fato RS

 

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