Artigo de Ana Paula Cusinato, servidora pública do MPU e secretária de Comunicação da CUT-DF

 

Basta um giro rápido pelos maiores jornais impressos e telejornais brasileiros – no tocante à audiência – para flagrar o apoio desses poucos e potentes grupos econômicos à reforma administrativa do governo Bolsonaro-Guedes. Sem pudor, Folha de S. Paulo, O Globo e Estadão, por exemplo, cunham frases como “custou, mas rolou”, “um passo concreto na essencial tarefa de modernizar o serviço público” e até “o país não pode perder a grande oportunidade que ora se apresenta” para tratar da Proposta de Emenda à Constituição que arrasa com o serviço público e pressiona a mercantilização de direitos essenciais à vida. A estratégia de desmonte do Estado, entretanto, não é novidade, e ganha esteio em um sistema de comunicação social privado, nada plural, alheio ao interesse público e fechado ao exercício da liberdade de expressão.

 

Não por acaso, o povo se apropriou mais de expressões como “o inchaço da máquina pública” do que da discussão da necessidade e essencialidade dos serviços públicos. Tolhida do direito à comunicação e à informação, a população é forçada a construir posicionamentos divergentes de seus próprios interesses. O monopólio dos meios de comunicação, vedado pela Constituição Federal, interfere na interpretação e construção da realidade, e no que diz respeito à reforma administrativa, utiliza como artefato um zelo dissimulado pela qualidade dos serviços públicos, a partir de discursos depravados de moralização e fim de privilégios.

 

Segundo o estudo internacional Media Ownership Monitor, mais de 70% do mercado de televisão brasileira aberta está concentrado na Rede Globo, SBT, Record e Bandeirantes. Realizado em 2017 no Brasil pelo Coletivo de Comunicação Social Intervozes e pelo Repórteres Sem Fronteiras, a pesquisa ainda constatou que a concentração está também no meio digital. Sites de notícias e entretenimento que estão no topo dos mais acessados pertencem aos mesmos grupos que monopolizam a radiodifusão, como o Grupo Globo. Aglomerados que, aponta o MOM, são representantes de “negócios nos setores de educação, saúde, imobiliário, financeiro, de energia e agrário”, justamente setores que serão amplamente beneficiados com a entrega dos serviços públicos para o setor privado, como prevê a reforma administrativa.

 

Atuar pela democratização da comunicação é estratégia imprescindível para a defesa da própria democracia. E não se fala aqui de uma quimera. A pauta, encampada há quase três décadas pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, se apresenta basicamente como a necessidade de regulamentar os artigos da Constituição Federal de 1988 referentes à Comunicação Social e aos Direitos e Garantias Fundamentais. E é justamente no fortalecimento do FNDC que se encontra uma das possibilidades mais efetivas de barrar não só a reforma administrativa, mas todos os projetos que a mídia comercial vende em favor dos seus patrocinadores e, consequentemente, em detrimento dos interesses da sociedade.

 

Nascido em 1991, o FNDC é formado por diversos seguimentos da sociedade civil, principalmente por organizações sindicais que representam trabalhadores e trabalhadoras. A partir da articulação com esses movimentos, o Fórum consolidou sua atuação para combater a concentração econômica na mídia e as violações à liberdade de expressão, condições essas pavimentadas na ausência de pluralidade política e de diversidade sociocultural nas fontes de informação.

 

Embora a história do FNDC esteja marcada desde o início pela presença de sindicatos e centrais sindicais, essa mesma base sustentadora parece ainda não ter tomado consciência plena de que a luta contra o “sistema” pautado pela lógica de explorador versus explorado é perpetuado pelos grandes veículos de comunicação, comprometidos não com o interesse público, mas com a validação do sistema capitalista.

 

Em tempos de imensuráveis retrocessos em todos os setores, inclusive no da comunicação – com o desmonte da comunicação pública, a utilização da desinformação e do discurso de ódio pelo próprio presidente da República e o recente recriado Ministério das Comunicações nas mãos de um radiodifusor –, temos o desafio de fortalecer o FNDC e a luta pela democratização da comunicação. A prova desse compromisso com a democracia deverá ser dada na próxima plenária nacional da entidade, agendada para os dias 9, 13, 16 e 17 de outubro. Somente com esse esforço, que deve ser permanente, teremos possibilidades reais de disputar narrativas e garantir que a formação do pensamento crítico da sociedade não seja apenas um apanhado dos interesses do grande capital, expresso, entre tantos outros projetos, pela reforma administrativa.

 

Fonte: CUT-DF | Escrito por: Por Ana Paula Cusinato – servidora pública do Ministério Público da União e secretária de Comunicação da CUT-DF