Fachada do Diário Popular – Foto: Dilermando Dias

 

Nesta terça-feira 11 de junho, às 18h, o prédio do Diário Popular ali na Quinze de Novembro 718, no centro de Pelotas, interior do Rio Grande do Sul, cerrou suas portas pela última vez. Um vídeo do momento derradeiro, o ponto final de uma história de 133 anos, circulou nas redes sociais, dando a Walter Veiga — funcionário que cumpria essa função de segunda a sexta há 40 anos — o protagonismo desse triste capítulo da história pelotense.

 

 

Crédito: Pierre Veiga

 

Do lado de dentro do jornal, na redação, coube a Lucas Kurz, o último Editor e Coordenador de redação, ao lado de Henrique Risse, fazer a última capa, escrever a última linha e colocar o ponto final da última edição que circulou neste 12 de junho de 2024. Logo após saber e confirmar o fechamento do jornal, Kurz publicou no X: “A morte de um jornal não é a derrota de uma equipe, de uma família de donos ou tudo mais. Perde toda uma região. No caso da Zona Sul, como eu vinha reforçando Editorial atrás de Editorial, o empobrecimento agora é de informação, fiscalização, cobrança e pluralidade. Resta a dor”. Em conversa pessoal, em outra rede, me disse: “Estou ainda tonto com a velocidade como tudo se deu”.

 

Teve foto da redação, abraços de despedida, aquele sabor amargo de ver um impresso deixar de circular e muitas manifestações de tristeza, deixando explícito não ser apenas estarem a partir de agora desempregados.

 

Foto redação na terça, 11, instagram Douglas Dutra, repórter de Política

 

Para além do Diário Popular ser o terceiro jornal mais antigo do país e o mais antigo do Rio Grande do Sul, era também o jornal diário para uma região inteira. Mais de um milhão de pessoas sem sua principal fonte de informação segura e profissional. Justo neste momento, na “era” das notícias falsas, após a maior emergência climática do estado e às vésperas de eleições municipais — a primeira da história da República brasileira sem a cobertura do DP.

 

A superintendente da empresa, Virgínia Fetter, no cargo há 28 anos e que deu sequência à gestão do jornal fundado por seu avô Adolfo Fetter e de seu pai Edmar Fetter, publicou uma carta de despedida anunciando o encerramento do jornal e a falência da empresa, onde relata ter contratado a MSC Advogados para cuidar desse processo.

 

Embora esperado e não causando exatamente surpresa, o anúncio impactou. Eram sabidas as dificuldades financeiras desde que o jornal fechou sua gráfica em 2020, passou a imprimir sua edição em Porto Alegre e reduziu sua redação a praticamente um terço do tamanho durante a pandemia da Covid-19, mas o processo de finalização foi muito rápido.

 

A notícia do fechamento do Diário Popular repercutiu na imprensa gaúcha, nacional e foi muito sentida em Pelotas. Inúmeros jornalistas e fotógrafos que passaram pela redação do Diário Popular país afora publicaram lembranças em suas redes sociais e lamentaram o fechamento do jornal replicando a capa da última edição. Um luto coletivo de profissionais, de uma cidade, de uma região.

 

“Reconhecemos e estimulamos o valor de cantar a nossa aldeia, e o jornalismo do Diário Popular fez com que muitas gerações de cidadãos pelotenses e de toda a Zona Sul se enxergassem, se projetassem. Com seus potenciais e carências. Em suas alegrias e tristezas. Com seus conflitos e conciliações”, publicou a agência de comunicação Satolep Press em nota assinada por Gabi Mazza, Vinicius Peraça e Nauro Júnior.

 

Vinicius Peraça, agora na Satolep Press, trabalhou por sete anos no DP. Foi repórter de geral, repórter e editor de política, coordenador de redação e, por fim, editor-chefe, e que deixou o jornal em 2023, diz: “Sem o Diário Popular perdem todos, inclusive quem eventualmente critica o jornalismo, tão essencial como expressão das comunidades e ferramenta de controle social. É mais uma porta que se fecha, com profissionais qualificados perdendo seus empregos e uma região com quase um milhão de habitantes se tornando menos informada”.

 

Michele Ferreira, que trabalhou no Diário Popular passando por todas as editorias e tendo conhecido toda a Região Sul através de seu trabalho como repórter, tem sua vida pessoal entrelaçada ao jornal. “É um dia muito triste. Com o fechamento do DP a comunidade perde espaço e oportunidade de serem ouvidas suas demandas. Perde a cidade, perde a região, perde a democracia. Tenho uma conexão muito forte com o jornal. Saí ano passado, em janeiro de 2023, às vésperas de completar 24 anos de empresa, mas toda minha carreira foi exercida ali, foi onde aprendi e me transformei como ser humano, como repórter e jornalista. E foi onde passei a conviver com o Gil Soares, flautista, que trabalhava como diagramador, e foi lá que começamos a namorar, casamos e hoje temos a nossa filha Cecília. É muito difícil não estar com o coração mexido e muito triste”, lamenta Michele. E ainda complementa com a uma reflexão: “Neste momento se abre uma lacuna no jornalismo profissional que deixará de ser exercido com o fechamento do Diário Popular”. Michele Ferreira foi também delegada regional do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS), em Pelotas.

 

Para o jornalista, professor e coordenador adjunto do Curso de Jornalismo da UFPEL Cadré Dominguez, o fechamento do Diário Popular é um desastre para a cidade e para a região. “Estamos num momento extremamente perigoso, devido a falta de produção de notícia local de qualidade, feita por jornalistas profissionais. Perdemos um espaço valioso. É bom dizer que já vínhamos há bastante tempo sofrendo com a redução das redações, dos postos de trabalho para jornalistas, redução do próprio jornal em si, no número de páginas e de assinantes, já era uma situação de perda de fôlego. Mas, com o fechamento, a cidade fica sem empresas que contratem jornalistas. Isso é um desastre. Temos curso de jornalismo e não temos mercado. O jornalismo tem função pública, de prestação de serviço, de cidadania e a cidade que não tem produção de jornalismo local sofre inclusive perda de identidade. Lamento muito pelos profissionais que estão perdendo seu trabalho e lamento pela população”, conclui Dominguez que também é repórter e editor da Ponga Reportagens em Profundidade e pesquisador do Grupo de Pesquisa Imaginalis, da UFRGS.

 

Nessa mesma linha de análise do professor Domingues, outro jornalista que “se criou” na redação do DP, Leon Sanguiné diz: “Entrei menino, construí junto aos colegas muitas coisas boas e saí com a sensação de ter contribuído. Mas os principais impactos são outros. É profundamente lamentável a perda de mais um veículo de comunicação que trabalhava com seriedade e profissionalismo. Teremos um pós-enchente e um processo eleitoral sem a cobertura devida e toda a população de uma região, sempre maltratada, sem uma importante ferramenta para ter voz. A cidade agora conta com duas faculdades de jornalismo formando novos repórteres anualmente e as possibilidades de trabalho na área vão se esgotando”.

 

Para o editor-chefe do Diário da Manhã (Pelotas), Hélio Freitag Júnior, “ninguém que aprecie o bom jornalismo, a notícia, a reportagem, o fotojornalismo, a informação pode achar normal o fechamento de um veículo de comunicação. Os cidadãos da Zona Sul, do RS, ficam sem seu porta-voz mais importante, e isso é ruim demais. Sem o jornalismo profissional para contrapor, para narrar, reportar e retratar, toda a informação consumida acaba sendo precária. Dias tristes para a imprensa. É hora de lamentar”. O Diário da Manhã encerrou sua edição impressa em novembro de 2022, ficando apenas com a versão on-line.

 

“O fechamento do Diário é uma tragédia”, vaticina Carlos Machado, jornalista, apresentador e ex-delegado regional do SindJoRS, em Pelotas. Ex-funcionário da Rádio Pelotense, fechada recentemente, analisa: “Há uma conexão no fechamento dos três veículos fechados recentemente — Rádio Pelotense, Diário da Manhã e Diário Popular —, formas de gestão muita parecidas que têm como consequência esse resultado, e nos três casos os funcionários são comunicados abruptamente, assim como a sociedade, que parece insensível diante dessa realidade”, pondera Machado.

 

Para o diretor do Jornal Tradição Regional, semanário com sede em Pelotas, Adilson Cruz, o impacto da pandemia (Covid-19) foi decisivo para o futuro de muitos veículos. “Lamentamos o fechamento do Diário Popular. Entendo que com o fechamento do DP, e antes o encerramento da versão impressa do Diário da Manhã, a comunidade da Região Sul perde canais de comunicação, é mais uma voz que se cala, principalmente pela forma como foi. Fechamento tem que ser a última alternativa. Perde o jornalismo profissional, perde a região, perde toda a sociedade”, lamenta Cruz.

 

Foto da última edição

 

Questionado se a direção do jornal procurou os profissionais para oferecer alguma alternativa aos jornalistas assumirem a continuidade da redação, mesmo que apenas no formato on-line, um dos repórteres demitidos ontem me disse que não. Ao ser comunicado do “desligamento”, disse que perguntou dessa possibilidade ao advogado que intermediou a finalização da relação de trabalho entre empresa e empregados, e recebeu como resposta que “agora não dava mais”.

 

Os repórteres dispensados, quase todos pessoas jurídicas (PJ), foram apenas comunicados do desligamento e, tendo que concluir a última edição, a maioria não teve tempo de salvar seus arquivos para portfólio. Nesta quarta (12) o site já estava fora do ar. Quem precisar acessar o Diário Popular, terá de recorrer, com máscara e luvas, ao arquivo de jornais “analógico”, atualizado, mantido pela Bibliotheca Pública Pelotense, na Praça Coronel Pedro Osório, ao lado da Prefeitura.

 

Clique aqui para acessar a última edição do Diário Popular.

 

Texto: Niara de Oliveira/Diretoria SindJoRS