Fundado em 2001, Núcleo foi inspirador de instâncias análogas em sindicatos e conta como patrimônio: publicações especializadas, eventos temáticos com perfil nacional e internacional, sediados em Porto Alegre, defesa da institucionalização da pauta na Fenaj e em outros sindicatos, além de teses antirracistas em congressos de jornalistas e aporte a documentos da categoria com recorte raça/cor
À frente do Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS), há mais de duas décadas, quando da sua fundação no Fórum Social Mundial, a dupla de jornalistas negras Vera Daisy Barcellos e Jeanice Dias Ramos iniciou processo de transição em outubro de 2023. Como patrimônio, são notáveis os feitos: publicações especializadas; eventos temáticos com perfil nacional e internacional, sediados em Porto Alegre; defesa da institucionalização da pauta na Fenaj e em outros sindicatos, além de teses antirracistas em congressos de jornalistas e aporte a documentos da categoria com recorte raça/cor.
A partir do legado liderado pela dupla e construído com o apoio de jornalistas negras e negros gaúchos, o Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros recebe a segunda geração para continuidade dos trabalhos sob a coordenação das jornalistas Isabel Clavelin, integrante da diretoria do SindJoRS, e Elaine Araújo, delegada sindical, e apoio de Alander Diaz, estudante de Jornalismo. O trio seguirá os trabalhos, agora em posição de dianteira, com mentoria de Vera Daisy Barcellos e de Jeanice Ramos, que continuarão a compor o Núcleo.
O processo consolidado na segunda-feira (9/10), com o apoio da presidenta do SindJoRS, Laura Santos Rocha, proporciona não somente um ato administrativo no Sindicato, mas reflexões acerca do árduo trabalho voluntário das jornalistas negras Vera Daisy Barcellos e Jeanice Dias Ramos. “Sou uma militante do Movimento Negro e do Movimento das Mulheres Negras desde o início dos anos de 1970 e sou sindicalizada com a matrícula 3804. Este número atesta o tempo da minha intensa ligação com o SindJoRS e, igualmente, o esforço dedicado para concretizar momentos de militância junto ao Núcleo de Jornalistas Afrobrasileiros”, explica Vera Daisy Barcellos.
Os primeiros passos do grupo, que se tornou referência e inspiração para instâncias semelhantes em outros sindicatos de jornalistas no país, são rememorados como parte de uma trajetória de ousadia e resistência negra no jornalismo sindical. “Um espaço criado, em 2001, na sede do nosso Sindicato quando da realização, em Porto Alegre, do primeiro Fórum Social Mundial. Naquele ano, sentíamos, e aqui vai uma reverência especial à companheira já falecida Santa Irene Lopes, que precisávamos abrir um espaço de trabalho para os jornalistas negros e as jornalistas negras de vários países do mundo e regiões do Brasil. Era o início de uma proposta que se expandiu para outras Estados pautando a questão étnica racial no universo dos sindicatos da categoria, em especial, quando dos congressos nacionais. Reconheço que, ainda somos, para além do Núcleo, poucas Comissões de Jornalistas pela Igualdade Racial – Cojiras – nesta grande extensão do nosso país. A pauta está posta e pode vir a ser motivadora para os universitários e as universitárias dos cursos de Jornalismo e Comunicação para que ocupem os espaços do nosso Sindicato”, considera Vera Daisy Barcellos.
Outras memórias da jornada do Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros são evocadas pela jornalista Jeanice Dias Ramos. “No início, o Núcleo era de comunicadores. Chegamos a ter 60 integrantes, não eram necessariamente filiadas nem jornalistas, eram pessoas que atuavam na área e não tinha registro. Lançamos o livro “O negro na mídia – invisibilidade da cor”, recorda. O percurso no sindicalismo de jornalistas em âmbito nacional e intercâmbio também são elencados por Ramos: “Defendemos junto ao Congresso Nacional de Jornalistas a inclusão do quesito no cadastro de jornalistas, iniciativa do SindJoRS com apoio da Cojira-Rio e Cojira São Paulo. Organizamos o Congresso Nacional de Jornalistas Afro, em Porto Alegre, e o Congresso Internacional de Jornalistas Afro com presença de representantes da Espanha, da Colômbia e da Argentina”.
Transição de liderança – Na nova coordenação, Isabel Clavelin, Elaine Araújo e Alander Diaz evidenciam compromisso com a trajetória do Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros e a continuidade do trabalho para fazer avançar os direitos de jornalistas negras e negros. “Acolhemos o convite para a transição da liderança em respeito às colegas Vera Daisy Barcellos e Jeanice Dias Ramos, que nos brindaram com excelência de atuação sindical como agentes mobilizadoras do Núcleo e presidência e diretoria no Rio Grande do Sul, além de comissões da Federação Nacional de Jornalistas – Fenaj. Elas foram decisivas para a nossa formação política no jornalismo sindical e são fundamentais para que possamos nos desenvolver com qualidade na liderança por elas nos oferecida, ao se proporem a seguir em conjunto neste desafio, agora como mentoras, conselheiras, baluartes do Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros. É um desafio que recebemos com confiança de que somos um grupo competente, conhecedor da realidade do racismo e do sexismo no jornalismo e engajado em fazer o nosso melhor na passagem do bastão por elas consagrado nesse momento”, diz Isabel Clavelin, integrante da diretoria do SindJoRS.
Estudante de Jornalismo Alander Diaz, filiado ao SindJoRS, já encampou a vinculação sindical em decorrência da representatividade da gestão de Vera Daisy Barcellos, quando presidenta do SindJoRS. Ele menciona a discrepância entre negras e negras no mundo do trabalho. “Na pauta racial, dados do IBGE sobre o mercado trabalho apontam 29,9% de negras e negros em cargos gerenciais. A população negra ocupa 45,3% dos postos de trabalho com menor remuneração. Eu nasci em 1991, cresci sentindo a falta de representatividade na política. Infelizmente, não tivemos a oportunidade de eleger democraticamente pessoa negra como presidente ou presidenta do Brasil. Somos letrados, um povo de cultura linda. Nossos antepassados deram o sangue pelo país, inclusive no Rio Grande do Sul”, argumenta.
Diaz vislumbra no trabalho sindical um campo para enfrentamento das desigualdades raciais e construção da equidade. “Em 2023, estou aqui sentido a mesma dor e questionamento. O SindJoRS está fazendo a parte dele, onde estou como acadêmico de Jornalismo, jovem negro e periférico, onde fui incluído e abraçado. A importância do Núcleo e da troca de liderança trazem ar de inovação de mercado sem desconsiderar o repertório e a qualidade técnica das gestões anteriores, em que atuarão como conselheiras. Me associei ao SindJoRS pela representatividade da Vera Daisy, nossa ex-presidenta. Isso demostra o interesse da pauta coletiva onde não se pensa somente em si, mas no todo, coletivo, letramento, discutir jornalismo afro-brasileiro dentro dos veículos, das rádios, veículos alternativos e mídias em geral”, finaliza.
Texto: Isabel Clavelin/Diretoria SindJoRS