Com as escolas fechadas para evitar a proliferação do novo coronavírus e as empresas se preparando para retornar ao trabalho presencial, muitas mães que estão em home office desde o começo do isolamento social, em março, estão preocupadas porque não têm com quem deixar seus filhos, mas decisões judiciais favoráveis as mulheres indicaram outro caminho a ser tomado caso a negociação com o patrão não dê resultado.
Três decisões judiciais e artigos da Constituição podem ajudar responsáveis por crianças e adolescentes a conseguirem vitórias na Justiça para permanecerem no trabalho a distância, caso não haja acordo entre o patrão e a trabalhadora. É importante que as mulheres fiquem atentas e também procurem seus sindicatos para auxiliar nas negociações ou receber orientações e ajuda concreta caso seja necessário ir adiante com uma ação também.
No Rio Grande do Sul, São Paulo e no Paraná, três mães que estavam em novo coronavírus desde o começo da pandemia do novo coronavírus conseguiram na Justiça o direito de permanecer no trabalho a distância para cuidar de seus filhos até o retorno das aulas presenciais. Todas beneficiam funcionárias da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que por ser empresa pública precisa motivar eventual dispensa.
Nas sentenças, os magistrados consideraram que, ao permitir o trabalho remoto, desde março, a empresa reconhece a possibilidade de sua realização nessa modalidade e destacou “a complexidade da situação atual, diante da pandemia causada pela Covid-19”.
Essas decisões podem servir de precedente para mães na mesma situação, apesar de não existir nenhum decreto ou regulamento que já se conceda esse direito, explica a advogada da Rede Feminista de Juristas, Tainã Góis.
Segundo ela, caso a mulher não consiga esse acordo com o próprio empregador, é necessário ingressar com uma ação judicial para requerer o direito baseado no Art. 227 da Constituição Federal que determina: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Estamos falando de um universo considerável de mães e cuidadores, diz a advogada se referindo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com a pesquisa, 44% dos trabalhadores brasileiros cuidam de crianças de até 14 anos. E 29% não têm um adulto, fora do mercado de trabalho, que possa ajudar no cuidado desses menores.
Procure o seu sindicato
Todas essas pessoas que precisam continuar trabalhando em casa podem, primeiro tentar negociar na empresa, depois recorrer a Justiça e para isso tem pelo menos doas caminhos, diz a advogada.
“Para ingressar com essa ação, as trabalhadoras podem procurar os serviços jurídicos dos respectivos sindicatos, ou mesmo procurar advogados e advogadas privadas. Na Justiça do Trabalho é comum que os honorários sejam cobrados apenas ao fim do processo, de forma que, a depender do acordo com o representante legal, a trabalhadora possa ingressar com ação sem pagamento prévio”, explicou Tainã Góis.
A secretária nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, reforça a orientação. Segundo ela, como as trabalhadoras e os trabalhadores não podem contar com os governos Federal, municipais ou estaduais, que deveriam publicar um decreto ou editar uma Medida Provisória (MP) exigindo a liberação do home office para os responsáveis das crianças até que se tenha uma vacina que garanta segurança para as famílias, as mães e os pais que precisam ficar com seus filhos, precisam recorrer aos seus sindicatos.
“As famílias podem procurar os sindicatos de suas categorias para conseguir uma negociação para garantir o direito de ficarem com seus filhos até o retorno das aulas seguro”, disse Juneia, que ressaltou: “Eu não acredito que em nenhum momento Bolsonaro e nenhum outro governo se preocupe com o povo e suas crianças e façam o que deveriam fazer, que é garantir a saúde e a segurança das crianças, da comunidade escolar e dos familiares”.
Procurar o sindicato é importante porque a trabalhadora conta com dirigentes experientes em negociação, que não se intimidam com as pressões dos prepostos dos empresários e têm assessoria, caso seja necessário entrar com uma ação.
Mas, antes, a trabalhadora deve tentar negociar, afirma a procuradora e coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação de Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), Adriane Reis.
“A primeira coisa que os responsáveis das crianças e adolescentes é tentar negociar com o empregador, com a comunicação sindical e o fornecimento de estrutura para o trabalho, a garantia do exercício da sua atividade produtiva em home Office”, afirma.
Outras possibilidades e anulação da demissão
Ou então, diz a promotora, a trabalhadora pode tentar encontrar uma possibilidade de antecipar férias ou alguma licença remunerada neste período. Este direito pode ser estendido para os responsáveis com o cuidado de idosos e pessoas com deficiência, com possibilidade de anulação de demissão, acrescenta.
“É possível anular uma dispensa justificada de trabalhador pela situação de impossibilidade de prestação de serviço neste momento da pandemia e os empregadores devem ficar atentos a essa situação e dessa maneira construir de forma dialogada alternativa para prestação de serviço desses trabalhadores e trabalhadoras neste período”, destacou a procuradora.
“Aquela pessoa que se sentir prejudicada por uma decisão empresarial deve procurar o Ministério Público do Trabalho e fazer a denúncia que nós iremos investigar a situação, chamar o empregador para solucionar a questão”, orientou Adriane.
A procuradora ressaltou que já existem algumas decisões da Justiça do Trabalho que asseguram o direito de mães e pais de ficar em casa cuidando dos seus filhos.
Responsabilidade dos cuidados e mães solos
O trabalho de cuidar ainda é reservado majoritariamente para as mulheres e isso é ainda mais sentido pelas mães solo, analisa a socióloga da subseção do Dieese da CUT Nacional, Adriana Marcolino. Segundo ela, este segmento sofre ainda mais porque fica entre a necessidade de manter seu trabalho, sua renda e sua autonomia financeira, com medidas de cuidados das crianças.
O que não deveria ter acontecido, diz, é a abertura das atividades econômicas sem o controle da pandemia para atender a pressão dos empresários sem pensar nesta parte da população e seus direitos.
“O Estado deveria ter feito um trabalho de mapear essas situações e pensar em soluções que protejam as crianças e o trabalho remunerado das mulheres, mas ao contrário, ele atendeu apenas os pedidos dos empresários”.
Dados
Um estudo recente da PNAD Covid, IBGE, julho de 2020, por sexo, aponta que as mulheres tiveram maior percentual de afastamento devido a pandemia, que em julho ficou em 11,3% (em junho tinha sido de 18,3%) enquanto para os homens ficou em 6,2% (11,1% em junho). E também que o percentual de mulheres que trabalharam remotamente foi 16,4% superior ao registrado pelos homens.
Fonte: Érica Aragão com edição de Marize Muniz – CUT Brasil | Foto: Sintratel