BdF– Ao som de tambores e de música dedicadas aos orixás, teve início, na última sexta-feira (4), a celebração do Novembro Antirracista Unificado, em Porto Alegre, com cerimônia de homenagem ao Bará do Mercado, conduzida pelo Conselho do Povo de Terreiro. Durante todo novembro, o Mês da Consciência Negra será celebrado no Rio Grande do Sul com atividades em diversos municípios.
No coração do Mercado Público de Porto Alegre, um mosaico de pedras e bronze, na encruzilhada dos quatro corredores centrais do local, ornamentado com sete chaves, faz homenagem ao Bará, o orixá que, para as religiões de matriz africana, tem o poder de abrir caminho. Tombado como patrimônio histórico-cultural de Porto Alegre pela Câmara de Vereadores, em dezembro de 2020, o local foi escolhido para iniciar o mês da Consciência Negra.
Foto: Carolina Lima / CUT-RS
“O Bará abre e fecha caminhos. Eu sempre digo que Bará faz a verdade virar mentira e mentira virar verdade. Faz a confusão pra restabelecer a ordem, atira ontem a pedra no pássaro para acertar hoje”, destaca o presidente do Conselho Estadual do Povo de Terreiro, Baba Diba de Iyemonjà.
Baba explica que ao mesmo tempo que Bará é o orixá da controvérsia, é também a divindade que “dá a boca para fazer a comunicação e também para alimentar”. Nesse sentido, explica que o Mercado Público é simbólico, pois “tem tudo que a boca a come e também é um local onde acontecem relações sociais”.
Foto: Carolina Lima / CUT-RS
A ialorixá Iyá Vera Soares, coordenadora do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, está feliz porque em 2022 o processo, de “não basta não ser racista tem que ser antirracista”, traz o voto contra o racismo.
Ela recorda que foram seus antepassados negros que plantaram o Bará dentro do Mercado. “O Bará significa a segurança do corpo por todas as tragédias. Vamos pensar que há 150 anos não existia essa tecnologia e quem fez toda essa construção foi a mão negra, a mão escrava, e muitos morreram. Um grupo liderado pelo príncipe Custódio assentou neste território Exu, que é caminho, segurança, comunicação e que cuida do corpo, e que vem trazendo como sagrado”, explica. A ialorixá acrescenta que, queira-se ou não, apesar das várias tentativas de ser retirado, nunca conseguiram destruir.
Foto: Carolina Lima / CUT-RS
Mês da consciência – a luta do movimento negro
“O Mês da Consciência Negra foi instaurado pela força do movimento negro, principalmente no RS, a partir de Oliveira Silveira, nosso professor e mestre. Ele apresentou a proposta dessa semana, que marca a morte de Zumbi, para que a gente pensasse e refletisse sobre o que somos e de onde viemos”, destaca Iya Vera.
Para a liderança, “consciência negra” significa pensar a história sob a perspectiva do sequestro e perda da identidade e dos idiomas do povo negro. “São valores civilizatórios que dão a identidade de um povo. Não é apenas uma população em um lugar. Nós fomos desterritorializados. Se nós pensarmos, até hoje a nossa consciência diz que nós precisamos encontrar a nossa identidade”.
Além disso, afirma que o Mês da Consciência Negra reflete sobre a desigualdade de direitos e a busca dos negros organizados em movimentos.
Foto: Carolina Lima / CUT-RS
Baba Diba afirma que o Mês da Consciência Negra é o momento de reafirmar a identidade da origem africana. “Todo dia é da consciência negra, as pessoas falam em ‘consciência humana’, mas a gente fala em uma humanidade que não reconheceu os negros como humanos.”
Ele recorda que é um período de reforçar a contribuição que o povo negro deu para construção do país, seja na cultura, na educação e “inclusive para a própria compreensão do que é família, respeitando a ancestralidade e os mais velhos”.
Também reforça que os terreiros foram focos de resistência do povo negro, de forma que é emblemática fazer a abertura do Mês da Consciência Negra justamente no Mercado Público, local onde se realizava a prática religiosa africana. Conforme pontua, o segundo “estado mais branco do país” e também o berço do racismo brasileiro, contraditoriamente, é o estado com maior quantidade de terreiros do Brasil.
“A intolerância é um conceito que conseguimos aprovar numa lei durante o primeiro governo Lula que é para tentar inserir a pauta racial em uma sociedade que é hegemonicamente branca. Hoje, já falamos em racismo religioso”. Reforça que, apesar da mudança de termos, hoje se percebe ataques a diferentes religiões.
A secretária de Combate ao Racismo da CUT-RS, Isis Garcia, destacou a importância da luta antirracista, enfatizando a necessidade de ampliar a participação de sindicatos e federações de trabalhadores e trabalhadoras.
Assista à fala de Isis Garcia
Presente à cerimônia, a vereadora e recentemente eleita deputada federal Daiana Santos (PCdoB) afirma que as atividades do Novembro Negro evidenciam a religação entre o sagrado e o povo negro, através da simbologia do povo preto.
“Todos os meses são da consciência negra, mas esse mês a gente utiliza para falar sobre o negro nas diversas áreas, trazendo a vida como parte central. Por isso a religião como parte de um religar, retirando os estereótipos que se coloca nas religiões de matriz africana”, diz.
Para ela o Novembro Negro é um período também da arte, cultura, política, esporte, entre outros setores que envolvem a identidade negra. Sobre a cerimônia, reforça que é a figura do Bará a responsável por “abrir os caminhos”, sendo muito simbólica a realização da atividade justamente no Mercado Público. “Bará é quem guia e conduz, quem faz com que nós sejamos cada vez mais lúcidos e que tenhamos a certeza e firmeza em cada passo dado.”
Na avaliação do dirigente da Frente Negra Gaúcha, Airton Fernandes Araújo, o Mês da Consciência Negra é importante pois é um marco que representa uma conquista dos negros e de toda a sociedade. “A conscientização dos negros e dos não-negros é uma questão de cidadania”, avalia.
Ao comentar os recentes ataques racistas presenciados no estado, diz que é um problema que vem se acirrando cada vez mais, em virtude da intolerância manifestada pelos atuais governos. “Eu acredito que os negros e toda a sociedade estão sabendo reagir contra essa onda, denunciando e cada vez mais se reunindo.”
A Frente Negra Gaúcha é uma das mais de 40 entidades que estão organizando o Mês da Consciência Negra no estado. Questionado sobre a construção das atividades, ele afirma que ter mais tempo do que uma semana para refletir sobre a questão racial é importante para que não somente os negros participem.
Airton recorda que o Mês da Consciência Negra nasceu no RS, principalmente pela ação do Grupo Palmares, e que, infelizmente, a data ainda não é um feriado oficial no estado. “Hoje o 20 de novembro não é mais dos negros, é da sociedade.”
Foto: Fabiana Reinholz
Programação desta semana
10 de Novembro (Quinta-feira)
Sarau Poético-musical
Floresta Aurora, 150 Anos fazendo História
Horário: 18h (sessão de autógrafo coletiva às 16h)
Local: Teatro Carlos Urbim – Praça da Alfândega – Porto Alegre
11 de Novembro (Sexta-feira)
Sexta Cultural na Esquina Democrática (música)
Horário: 18h
Local: Esquina Democrática (Porto Alegre)
12 de Novembro (Sábado)
Roda de conversa sobre saberes ancestrais e políticos
Local: Espaço Oorun – Nova Santa Rita
Horário: a partir das 10h
Dia do Tambor
Local: Praça do Tambor – Porto Alegre
Horário: 15h
Feira Preta – Feira de Afro empreendedores
Local: ACB Floresta Montenegrina – Montenegro
Horário: 14h
13 de novembro (domingo)
O Samba Não Pode Parar – Roda de samba com Feira Afro e apresentações culturais alusivo Consciência Negra
Local: Clube Seis de Maio – Gravataí
Horário: 12h
Organização: Clube Seis de Maio
Oficina Performance da Escrevivência
Título: Histórias que a história não conta – Exibição de videoperformance, roda de conversa e oficina teatral com o grupo “Leva Eu”
Ministrante: Juliano Felix
Público alvo: atores/artistas, professores e estudantes a partir de 14 anos.
Horário:15h
Local: Associação Satélite Prontidão – Auditório – Porto Alegre
14 de Novembro (Segunda-feira)
Porongos, que história é essa? Preparação para 2ª Marcha das Mulheres Negras
Horário: 14h30
Local: Casa da Cultura Hip Hop Esteio
Roda de conversa: Questões Antirracistas e (Anti) Fascismo
Local: Federação dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação
Horário: 14h30
Oficinas
Oficina de Tambor
Data: 05 ,12,19 e 26/11/2022
Horário: Das 13h30 às 14h30
Local: AMJE (Rua Euclides de Almeida,120 – Santa Tereza) – Porto Alegre
Organização: Olùfé Capoeira
Oficina de Capoeira
Data: 05, 12, 19 e 26/11/2022
Horário: das 9h30m às 11h
Local: AMJE (Rua Euclides de Almeida,120 – Santa Tereza)
Organização: Olùfé Capoeira
Danças Urbanas
Data: 5, 12 e 26/11/2022
Horário: Das 10h às 11h
Local: AMJE (Rua Euclides de Almeida,120 – Santa Tereza)
Organização: Olùfé Capoeira
Oficina de Tambor
Data: 05 ,12,19 e 26/11/2022
Horário: Das 13h30 às 14h30
Local: AMJE (Rua Euclides de Almeida,120 – Santa Tereza)
Organização: Olùfé Capoeira
Oficina de Tranças
Data: 05, 12, 19 e 26/11/2022
Horário: Dás 14h e 30m às 17h e 30m
Local: AMJE (Rua Euclides de Almeida,120 – Santa Tereza)
Oficina de Turbantes
Data: 05,12,19 e26/11/2022
Horário: Das 14h30 às 15h30
Local: AMJE (Rua Euclides de Almeida,120 – Santa Tereza)
Organização: Olùfé Capoeira
Corte de Cabelo
Data: 05,12,19 e 26/11/2022
Horário: Das 14h e 30m às 17h30
Local: AMJE (Rua Euclides de Almeida,120 – Santa Tereza)
Organização: Olùfé Capoeira
Oficinas de Missangas e Boneca Abayomi
Data: 05,12,19 e 26/11/2022
Horário: Dás 15h e 30m às 17h
Local: AMJE
Rua Euclides de Almeida 120 Santa Tereza
Organização: Olùfé Capoeira
Foto de abertura: Carolina Lima / CUT-RS |Fonte: Pedro Neves Dias e Fabiana Reinholz – Brasil de Fato RS