“Pode chover, pode molhar, a mulherada está na rua para lutar”. Foi sob a chuva que caiu no início da noite desta sexta-feira, 8 de março, que milhares de mulheres, e também homens, caminharam pelas ruas do centro de Porto Alegre após ato na Esquina Democrática, encerrando em grande estilo as atividades do Dia Internacional de Luta das Mulheres.

 

Um ato colorido, com bandeiras de diversos movimentos sociais, sindicatos e organizações de mulheres, mas com mensagens urgentes: chega de feminicídios, nem uma a menos, em defesa dos direitos das mulheres, pela legalização do aborto seguro e contra a reforma da Previdência.

 

O bordão “Ele Não” e outras críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) também foram repetidos em diversos momentos do ato.

 

O 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher, dos movimentos sociais de Porto Alegre foi marcado por uma série de atividades realizadas, desde o início da manhã, no Largo Glênio Peres. A programação se estendeu ao longo de todo o dia, com painéis sobre a violência contra a mulher e a reforma da Previdência, entre outros temas. Ao cair da tarde, por volta das 17h30, iniciou-se a concentração para o ato da Esquina Democrática.

 

Aos poucos, milhares de pessoas foram se reunindo no tradicional ponto de manifestações políticas no Centro de Porto Alegre ao redor de um caminhão de som para o ato intitulado “Pela vida das mulheres trabalhadoras”.

 

Foto: Guilherme Santos/Sul21

 

Reforma na pauta

Por cerca de uma hora, lideranças femininas de sindicatos, partidos políticos e outros movimentos sociais alternaram falas com algumas manifestações artísticas. A maioria das falas destacou o papel das entidades representadas na luta contra a reforma da Previdência, com os discursos ressaltando que serão as mulheres trabalhadoras com filhos as mais prejudicadas.

 

Além de terem de trabalhar por mais tempo concomitantemente à realização de jornadas duplas e triplas, o aumento do tempo de contribuição dificulta a obtenção do benefício por quem tem uma vida de trabalho marcada por períodos em que não conseguem manter a constância nas contribuições. Muitas falas do ato fizeram a convocação para novos atos contra a reforma e pela construção de uma greve geral.

 

A secretária de Mulheres da CUT-RS, Ísis Marques, destacou o ataque que representa a reforma de Bolsonaro na vida das trabalhadoras do campo e da cidade. “Se essa proposta cruel for aprovada no Congresso, muitas mulheres não conseguirão se aposentar”, denunciou. Ela também apontou a desigualdade entre os salários das mulheres e dos homens, frisando que as negras são as que ganham as menores remunerações.

 

 

Reforma penaliza mais as mulheres

Na avaliação da cientista política e ativista Télia Negrão, integrante da Rede Feminista de Saúde, a mobilização realizada em Porto Alegre “desafiou a ideia de que as mulheres não conseguiriam, diante de tantos ataques à sua condição de cidadãs, realizar uma manifestação dessa envergadura”.

 

“As mulheres foram às ruas, sim, realizaram durante todo o dia um ato com muita gente, com uma diversidade enorme de mulheres do campo, da cidade, jovens, mulheres negras, agricultoras, todas com suas agendas, mas com um ponto em comum que é a luta contra a reforma da Previdência pelo fato de que embora a reforma atinja a todos os trabalhadores, ela atinge de forma muito impactante a vida das mulheres”, destacou.

 

 

Télia lembrou que as mulheres realizam mais horas de trabalho do que os homens, trabalham menos fora e se dedicam mais ao trabalho em casa. “É justamente aí que se encontra a distorção. O trabalho realizado em casa não tem nenhum valor, não se contabiliza para uma Previdência Social. E as mulheres, em razão de fatores culturais, acabam ingressando e saindo do mercado de trabalho em diversos momentos de suas vidas para cuidar de filhos, de doentes, dos pais idosos; e com isso acabam recolhendo muito pouco para a Previdência.”

 

“Quando reingressam no mercado de trabalho geralmente são em cargos rebaixados. Depois de 30, 40 anos de vida labora, elas recolheram muito pouco. Isso é uma lógica muito perversa e reflete o tipo de sociedade em que a gente vive. A desigualdade se dá em todos os campos da vida, no público e no privado”, alertou.

 

 

Ela destacou o papel histórico das mulheres na luta em defesa da democracia e de direitos. “Diante de todos os ataques, com essa concepção conservadora vigente hoje no país, as mulheres conseguirem ir às ruas, realizarem manifestações, mostrarem uma forma de luta que apesar de tudo é alegre, é divertida e ao mesmo tempo é muito forte e criativa, demonstra que as mulheres são um segmento da população que sempre lutou, principalmente a partir do período da ditadura, em que estiveram nas ruas contra o regime ditatorial, lutaram no processo da Constituinte e posteriormente ajudaram na construção de toda uma Legislação e das políticas públicas que garantem às mulheres mais direitos.”

 

“Como nós vimos e como disse a Simone Beauvoir, ‘a qualquer momento serão as mulheres as primeiras a perder os direitos’. É o que nós vimos, mas as mulheres estão na luta e continuam dispostas a reconstruir as bases de um país democrático, justo com as mulheres”, disse.

 

 

Resistência

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) lembrou a cultura vigente, que no Dia das Mães se entregam flores e presentes para as mulheres, e no dia seguinte elas são retiradas do trabalho por serem mães. “A mulheres são penalizadas por uma cultura machista.”

 

 

“A reforma da Previdência, por retirar das mulheres direitos conquistados, se afirma como uma medida extremamente ultraconservadora, porque exige das mulheres mais tempo de trabalho, mais tempo de contribuição, retira das trabalhadoras rurais a possibilidade de se aposentarem a partir da safra anual, e das mulheres mais velhas e das viúvas, a possibilidade de ter uma vida digna”, ressaltou.

 

“A vida das mulheres será profundamente afetada, mas eu acredito na capacidade do povo brasileiro, e em especial das mulheres, de construir um movimento muito forte de resistência que, assim como em 2017 conseguiu barrar a reforma de Temer, consiga barrar a reforma proposta por Bolsonaro. Que, na verdade não é uma reforma, é um projeto de destruição da previdência pública e da seguridade social, tendo como substituto uma perspectiva de mercado porque, no momento em que trabalhadores e trabalhadoras, em especial as mulheres não consigarão se aposentar”, disse a deputada.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

 

Lembrança de Marielle

Há poucos dias do primeiro aniversário de sua morte, Marielle Franco foi a figura mais lembrada no ato de Porto Alegre. A cada poucas falas se ouvia um grito “Marielle, presente”, e em alguns momentos foi cantada o refrão do samba-enredo campeão da Mangueira, que trazia uma homenagem a ela. O rosto da vereadora assassinada também estava presente em diversas faixas e bandeiras. Um novo ato foi convocado para o dia 14, data em que ela e o motorista Anderson Gomes foram assassinados, no Rio de Janeiro.

 

 

“Precisamos mudar essa comunicação machista que coloca o homem em primeiro lugar. A mudança depende da união das mulheres”, propôs a vice-presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS, Laura Santos Rocha.

 

“Esse dia em todo mundo é um marco de alegria. A união das mulheres e meninas é fortalecedora e nos nutre. Confirma que a revolução é feminista”, comemorou Ângela Spolidoro, do Instituto Dakini, que atua com educação em direitos humanos em escolas da periferia da capital.

 

Foto: Guilherme Santos/Sul21

 

Nem uma a menos

Como não poderia deixar de acontecer num 8 de Março, a violência contra a mulher também foi muito lembrada. Diversas falas destacaram a estatística, infelizmente já defasada, de que a cada 12 horas uma mulher é vítima de feminicídio no País — nesta sexta, o site G1 divulgou um levantamento que aponta que 1.173 feminícidios foram registrados no Brasil em 2018.

 

Foi chamada a atenção para o fato de que os números já registrados em 2019 são ainda mais alarmantes — a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) registrou 126 casos em janeiro, mais de 4 por dia. Algumas falas lembraram de Isabela Miranda de Oliveira, a jovem que morreu nesta semana após ter o corpo queimado pelo namorado depois de ter sido estuprada pelo cunhado dele.

 

De acordo com informações da segunda edição do estudo Visível e Invisível – A Vitimização de Mulheres no Brasil e do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2017, a cada nove minutos, uma mulher sofreu estupro. Além disso, diariamente, 606 casos de lesão corporal dolosa – quando é cometida intencionalmente – enquadraram-se na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).

 

O elevado número de estupros envolve um outro crime multiplicado na sociedade brasileira: o assédio sexual. Dados de 2015 da organização não governamental (ONG) Think Olga, as brasileiras são sexualmente assediadas, pela primeira vez, aos 9,7 anos de idade, em média.

 

Em 2013, a pesquisa Percepção da Sociedade sobre Violência e Assassinatos de Mulheres, elaborada pelo Data Popular Instituto Patrícia Galvão, revelou que quase metade dos homens (43%) acreditava que as agressões físicas contra uma mulher decorrem de provocações dela ao ofensor. A proporção foi menor entre as mulheres: 27%.

 

Foto: Guilherme Santos/Sul21

 

A caminhada

Por volta as 19h, as manifestantes iniciaram uma caminhada em direção ao Mercado Público. As falas deram então lugar para cantos de ordem, puxados por diversos grupos de mulheres armados com instrumentos musicais. “Nem fraquejada e nem do lar, a mulherada tá na rua pra lutar” e “Ô Bolsonaro, vai se…, eu não vou trabalhar até morrer”, diziam dois dos cantos mais cantados no ato.

 

Mesmo com sob a chuva constante, a partir do início da caminhada, a manifestação seguiu pelo Centro pela Avenida Julio de Castilhos, passando pelo Túnel da Conceição — o momento de maior animação do ato –, retornando ao Centro até ser encerrado no Largo Zumbi dos Palmares, por volta das 20h30.

 

A marcha transcorreu sem transtornos, com a segurança organizada pelas próprias manifestantes. As frases “Nenhuma a menos” e “Juntas somos mais fortes” encerraram o ato.

 

Confira mais fotos de Guilherme Santos do Sul21.

 

Fonte: CUT-RS com Sul21 e Extra Classe