BdF – Movimentos sociais realizaram um protesto, na tarde desta quarta-feira (14), pedindo justiça para Débora Moraes, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Porto Alegre, que foi vítima de feminicídio nesta segunda-feira (12).
Ela foi assassinada em sua residência, na Vila dos Herdeiros, zona Leste da capital gaúcha, pelo seu marido, que foi preso em flagrante.
A manifestação começou por volta das 15h, no centro de Porto Alegre. Estavam presentes cerca de 50 pessoas, de diversos movimentos populares e entidades. Às 16h, já reunindo umas 100 pessoas, os presentes saíram em marcha até a Assembleia Legislativa (ALRS), onde foi feito um ato político, com espaço para falas.
Após, uma comitiva de representantes, incluindo familiares de Débora, protocolou um documento junto à Procuradoria da Mulher da ALRS. O documento será levado para a presidência da Casa, para que mais atitudes sejam tomadas a fim de evitar a onda de feminicídios no estado.
A carta contém a nota do MAB sobre o acontecido e denuncia a inexistência de secretarias especializadas no tema dos direitos das mulheres, nas atuais gestões do município de Porto Alegre e do estado.
De acordo com a delegada Fernanda Campos Hablich, da 1ª Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Porto Alegre, o marido de Débora será indiciado por feminicídio.
“O inquérito policial foi instaurado nesta terça e as investigações estão sendo feitas. Após averiguações da Polícia Civil no local, trouxemos o suspeito para a Delegacia da Mulher, ouvimos depoimentos de testemunhas e o autuamos em flagrante”, explicou.
Mobilização contra os feminicídios
A reportagem do Brasil de Fato RS esteve na mobilização e entrevistou a tia de Débora, Cláudia Moraes. “Queremos toda ajuda possível para não deixar passar, para que não aconteça com outras mulheres. É minha sobrinha hoje, amanhã pode ser a minha filha. Queremos lutar para que isso seja resolvido, que ele pague pelo que ele fez”, declarou Cláudia.
Segundo Isabel Adriana Klein, integrante do MAB na zona Leste, Débora era uma grande liderança. “A Débora foi uma pessoa incansável na regularização em relação à barragem na Herdeiros, além da remoção das pessoas. A gente perde não só uma grande líder, mas uma coordenadora incansável na luta sobre o direito dos atingidos. A luta dela não morre com a sua morte”, afirmou.
Isabel recorda a grande quantidade de mulheres que, a exemplo de Débora, são assassinadas por serem mulheres. Além disso, recorda que a cultura machista do RS se sobressai em relação a outros estados, o que exige dos gestores políticas para ir de encontro com essa situação.
“Quando a mulher sofre violência, a tendência é que as pessoas não amparem e critiquem essa mulher. Muitas vezes as mulheres se calam porque elas não têm para onde recorrer. Acredito que esse seja o caso da Débora. Que as mulheres sejam mais unidas quando aparecer qualquer sinal de agressão, muitas vezes a gente se cala porque não somos ouvidas”, protestou Isabel.
Nos últimos anos, de acordo com o relatório da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios do RS, o Rio Grande do Sul está entre os estados brasileiros onde mais foram consumados feminicídios. Foi o terceiro no ranking em 2019, com 97 casos, e o quarto em 2020, com 80 casos. Já em 2021, foram 97 mulheres assassinadas no estado e, neste ano, até 14 de junho, já foram registrados 50 casos.
No RS, desde o início do ano 76 feminicídios foram cometidos
O feminicídio de Débora faz parte de uma realidade apurada pela Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid), do Tribunal de Justiça do RS, que aponta que em 69% dos casos, as tentativas ou assassinatos de mulheres envolvem os ex ou companheiros atuais das vítimas. Ainda segundo a pesquisa, 58% dos casos acontecem na casa da vítima.
De acordo com o Observatório Estadual de Segurança Pública, da Secretaria de Segurança Pública (SSP), até agosto, 75 mulheres foram vítimas de feminicídios no estado. Este é o maior número de casos de feminicídio de janeiro a agosto desde que a série passou a ser registrada, em 2012. A Lupa Feminista Contra o Feminicídio conta 76 feminicídios desde o início de 2022.
Foto: Silvia Fernandes
Movimentos prestaram solidariedade
Além do MAB, diversos movimentos populares, organizações e entidades estavam representados. Sílvia Reis, por exemplo, do Setor de Gênero do MST/RS, esteve presente na mobilização.
“Estamos aqui em solidariedade a todas as mulheres que estão sendo mortas e também pedindo justiça. E para dizer, parem de matar as mulheres, as mulheres que lutam, que sonham, que produzem os alimentos estão sendo assassinadas, as mulheres urbanas, as camponesas”, afirmou Sílvia, pontuando que também existe muita violência às mulheres do campo, e que ela é mais velada.
“Moramos um pouco mais distante uma das outras e a gente muitas vezes não consegue conversar sobre isso e se ajudar. É uma violência que está espraiada. E a gente sabe que isso tem nome, há a autorização deste presidente carrasco que autoriza a morte, principalmente das mulheres. Nós mulheres, tanto do campo quanto da cidade, precisamos nos unir para nos fortalecer e fazer as denúncias e combater todas as formas de violência, principalmente o feminicídio”, disse Sílvia.
:: Desde o início do ano foram registrados 36 feminicídios no Rio Grande do Sul, aponta dossiê ::
Durante o ato na frente da ALRS, um dos companheiros de Débora na Associação de Moradores Santa Paula, da Vila dos Herdeiros, Rui Antônio Souza falou que a mobilização pede justiça pela companheira, mas que também poderia ser por qualquer uma das mulheres do RS mortas por feminicídio.
“É crime que acontece geralmente dentro de casa, no círculo familiar. Estamos aqui por uma jovem de 30 anos que descobriu na luta popular e na solidariedade com o próximo um sentido para sua vida. A Débora vai continuar muito presente, pois ela participava das lutas não só pelos direitos dos atingidos pelas barragens, ela atuava pelos direitos à educação, transporte, saúde”, disse Rui.
Por sua vez, Télia Negrão, da organização Levante Feminista contra o Feminicídio, afirmou que o dia foi de resistência e de homenagem à vida de uma mulher que se foi.
“Infelizmente, hoje o RS está completando 76 vidas de mulheres perdidas. A morte de uma mulher por ser mulher é uma tragédia em si, mas ela não precisaria existir. Todas as pessoas têm como seu primeiro direito a vida. Quando denunciamos o feminicídio, afirmamos que, quando se mata uma mulher, se mata um pouco da humanidade”, protestou Télia.
Afirmou também que os assassinos são os principais responsáveis pelos feminicídios, mas não somente: tão responsável é o Estado que se omite frente a isso.
Maria do Carmo, da Marcha Mundial de Mulheres e da Força Tarefa contra os Feminicídios da Assembleia Legislativa do RS, afirmou que a revolta pela morte de Débora vai manter a todos na luta pelos direitos das mulheres. Relatou também que a delegada do caso já informou que a prisão do marido de Débora foi convertida em preventiva, o que dá mais tempo para a investigação ocorrer sem que ele precise ser solto.
“Isso nos acalma muito pouco, porque a gente sabe que o nosso algoz também é o Estado que se omite quando uma de nós tomba”, finalizou.
Além das entidades citadas, estiveram presentes representantes das Promotoras Legais Populares, do Fórum de Mulheres de Porto Alegre, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), da Central Única dos Trabalhadores (CUT/RS), do Levante Popular da Juventude, da Casa Mirabal, do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), da União Brasileira de Mulheres (UBM), do Conselho Municipal de Direitos das Mulheres (Comdim) e do movimento Resistência Popular.
O MAB também realizou vigílias em Erechim (RS), Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Bahia.
Confira a transmissão do ato pela Rede Soberania
Assista à reportagem do Seu Jornal da TVT
Fotos: Pedro Neves (Brasil de Fato RS) | Fonte: Brasil de Fato RS
Galeria de fotos de Silvia Fernandes/Diretoria Sindjors