Em 2016, Alexandre Fetter, da Rádio Atlântida, sugeriu que os ouvintes cuspissem no ex-presidente Lula. Agressão a um idoso. O apresentador do programa Pretinho Básico incentivou, na mesma época, que jornalistas defensores dos Direitos Humanos, que criticavam excessos da Brigada Militar, filhos e parentes de políticos e governantes fossem as próximas vítimas da violência no Rio Grande do Sul. Ele disse: “que sejam eles a sangrar e a deixar suas famílias enterradas”, ao vivo, no programa. Naquele mesmo ano, o apresentador Faustão, da Rede Globo, afirmou, ao vivo, no seu Domingão, “que tem mulher que gosta de homem que dá porrada”. Justificativa à violência sexista. Em 2018, Peninha, no Sala de Redação, mandou Eduarda Sperb voltar para a cozinha, “que é o lugar de onde tu nunca deveria ter saído”. Discriminação de gênero. Em 2020, o jornalista Cacau Menezes, do Balanço Geral de SC, disse que “meninas inventam histórias, (sobre abuso sexual) publicam nas redes sociais e se divertem com isso. A imagem e o contexto do menino atingido vai para o beleléu”. Culpabilização da vítima. Também este ano, o apresentador da Band RS, Milton Cardoso, interrompeu uma entrevistada para afirmar que “dois homens ou duas mulheres não teriam condições de criar uma criança”. Homofobia.
Resgatamos essas falas pretéritas, no contexto do acalorado debate sobre os comentários dos jornalistas David Coimbra e Kelly Mattos, no Programa Timeline, da Rádio Gaúcha, sobre o assalto a banco ocorrido em Santa Catarina. Os dois e o Grupo RBS já pediram desculpas pelos comentários. Falas infelizes? Brincadeira de mau gosto? Apologia ao crime? Liberdade de opinião e expressão? Talvez esteja mais do que na hora de refletirmos, com responsabilidade e sem grenalização, sobre as fronteiras que demarcam uma e outra coisa.
A liberdade de expressão e de opinião é um direito basilar da profissão de jornalista e da democracia. Direito este que, em tempos de negacionismo e gabinetes de ódio, vem sendo cada vez mais ameaçado. Somente durante o período de cobertura à pandemia, foram registrados 82 ataques a jornalistas no Brasil. Tais liberdades encontram seus limites no Código de Ética Profissional e nos respectivos Códigos de Ética dos grupos jornalísticos. Nos casos de violação à ética profissional, qualquer cidadão pode representar junto ao Conselho de Ética do Sindicato.
Comentários infelizes e brincadeiras de mau gosto devem ser tratados como o que são: reveladores de preconceitos e pensamentos individuais que, no geral, são mascarados. Críticas contundentes, discussões de teses ou filosóficas, opiniões são questões que se reservam ao debate democrático de ideias, ao diálogo, garantidos os espaços para o contraditório. Isso, por óbvio, não inclui crimes de difamação, calúnia ou injúria, que têm tratamento específico previsto em lei.
Neste contexto, espanta-nos a hipocrisia dos que se arvoraram em classificar os comentários dos dois jornalistas em “apologia ao crime”. O que incomodou os patrocinadores, particularmente neste episódio, que não incomodou nenhum anunciante nos vários casos citados no início deste texto? Arriscamo-nos a dizer que a diferença foi a possibilidade de não se condenar, com veemência, um eventual crime contra o capital, representado pelos bancos e pelo sistema financeiro.
Ao que parece, enquanto os alvos são as mulheres, os negros, os LGBTQI+, os pobres, os ativistas de diferentes causas, os anunciantes não se sentem incomodados de patrocinar programas onde apresentadores promovem, por meio de suas falas preconceituosas, crimes de racismo, de homofobia e de violência sexista. Então não nos iludamos: a indignação empresarial não é em respeito à vida e à segurança das vítimas, envolvidas nas cenas de horror do referido assalto. A indignação é em defesa do patrimônio. Eis o porquê da censura econômica que promovem contra o programa: nada revolta mais o Capital do que ideias que possam ameaçar o seu lema de “lucro acima da vida”.
Diretoria Executiva Sindjors