Entre todos os alternativos, com a notável exceção de O Pasquim, o mensário de Porto Alegre foi aquele que mais tempo resistiu, de 1975 a 1982 – Foto: Reprodução
Criado por uma cooperativa de jornalistas, mensário tornou-se referência de imprensa independente durante a ditadura
O painel que vai lembrar esta história terá a participação dos jornalistas Ayrton Centeno, Elmar Bones, Jorge Polydoro, José Antonio Vieira da Cunha e Rafael Guimaraens. Será às 18h, no Plenarinho da Assembleia Legislativa, que é uma das apoiadoras da iniciativa juntamente com a Associação Riograndense de Imprensa (ARI), Editora Libretos, Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS). A entrada é franca.
Mais importante jornal alternativo fora do eixo Rio-São Paulo, o Coojornal completa, nesta semana, o seu cinquentenário. Lançado no dia 15 de novembro de 1975, ainda como um boletim de oito páginas da Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre (Coojornal), no ano seguinte chegaria às bancas das principais cidades do país. Marcando a data, um painel debaterá o papel histórico e as lições do jornal de jornalistas que enfrentou aqueles tempos de trevas. Será no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, na próxima quinta-feira (13), com as participações dos jornalistas José Antonio Vieira da Cunha, Elmar Bones, Jorge Polydoro, Rafael Guimarães e Ayrton Centeno. Também haverá exibição de documentário, exposição de capas e o lançamento de uma publicação com quatro reportagens históricas.
Abrindo-se ao público em geral, o Coojornal, mais encorpado e abrangente, conquistou leitores e reconhecimento. Incorporou-se ao poderoso sexteto da linha de frente dos valentes jornais dos anos 1970, ao lado de O Pasquim, Movimento, Versus, Ex e Opinião, que ousava afirmar o jornalismo e peitar a ditadura.
“Ele se destacou pela produção de reportagens investigativas, uma abordagem crítica e modelo de gestão cooperativa, características que o tornaram um marco na imprensa brasileira”, relata José Antônio Vieira da Cunha, primeiro presidente da cooperativa fundada em uma tarde de sábado, 24 de agosto de 1974, no auditório da Associação Riograndense de Imprensa (ARI).
Entre todos os alternativos, com a notável exceção de O Pasquim, que chegou a morrer no século passado e ressuscitar no atual, somando 24 anos em circulação, o mensário de Porto Alegre foi aquele que mais tempo resistiu, de 1975 a 1982, superando Movimento (1975-1981), Opinião (1972-1977), Versus (1975-1979) e Ex (1973-1975), todos ceifados pela coação do regime militar, um pacote que juntava censura, interrogatórios, eventualmente prisões, e estrangulamento econômico.
Foi uma iniciativa pioneira no Brasil e acabou tendo reconhecimento nacional”
“O Coojornal representou a realização de um sonho que começou com a fundação da própria Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre e, na sequência, a criação do jornal”, recorda Vieira da Cunha. “Foi uma iniciativa pioneira no Brasil – prossegue – e acabou tendo reconhecimento nacional por sua prática jornalística independente e por sua contribuição à luta pela redemocratização do país”.
Uma das manchetes de capa do número 1, ainda enquanto ainda boletim, revela que os planos de expansão já cozinhavam em fogo brando. “Cooperativa já começa a preparar o seu jornal (sem segredos)”, avisava. Instalada em um casarão de dois pisos na rua Comendador Coruja, 372, bairro Floresta, com um ano de atuação e 200 associados, a Coojornal então editava o Jornal do Inter e mais cinco publicações para terceiros, além de prestar serviços gráficos e editoriais.
Origem do Coojornal, a cooperativa surgiu nas conversas de bar após o fim do expediente
A edição pioneira também trazia cartas de jornalistas de outros estados querendo saber como montar uma cooperativa naqueles mesmos moldes. “Gosto de lembrar que, nos idos de 1980, um total de 14 entidades do gênero foram criadas em diversas regiões do país, todas inspiradas por nosso modelo”, nota o ex-presidente.
Aliás, se o Coojornal começou a partir da fundação da Coojornal, a cooperativa começou a surgir nas conversas de bar após o fechamento da edição diária da Folha da Manhã, intrépida publicação da conservadora Companhia Jornalística Caldas Junior, que também editava o Correio do Povo, o velho Correião, em formato standard, e a Folha da Tarde.
“Geralmente participavam Elmar Bones, Jorge Polydoro, Rosvita Saueressig, Carlos Urbim, Gilberto Pauletti, Arthur Monteiro, João Souza e eu”, relembra Vieira da Cunha, citando mais outros atores importantes fora da Folhinha, como Luiz Cláudio Cunha e Carlos Bastos.
No Brasil, 90% da imprensa está nas mãos de picaretas”
Quando chegou ao número 9, o antigo boletim ganhou as ruas com outra cara, cor na capa e 28 páginas. Destaque para as denúncias do químico Milo Raffin sobre a poluição do Guaíba pela papeleira Riocell, que assumira a planta da norueguesa Borregaard.
Titular do Departamento de Química Inorgânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Raffin advertia que, ao ingerir a água das torneiras na capital, a população corria o risco de contratar um câncer de estômago. Já a manchete focava o entrevero entre publicitários e anunciantes por conta de uma campanha que cutucava a timidez dos empresários locais instigando-os a anunciarem mais e conquistarem o Brasil. “Honrem suas bombachas”, provocava a primeira mas não a mais agressiva das peças.
Porém o mais saboroso da edição era o recheio de um debate sobre mídia que superlotou o teatro Ruth Escobar, em São Paulo, reunindo diretores de redação de veículos como O Estado de S. Paulo, Veja, IstoÉ, Movimento e Jornal da Tarde. A começar pelo título “A imprensa está na mão de picaretas”, uma tirada de Ruy Mesquita, da família proprietária do Estadão e do JT.
Em certo momento, Mino Carta perguntou a Ruy porque, diante da censura, os donos de jornais não criaram mecanismos comuns de autodefesa. E Ruy: “Você sabe que, no Brasil, 90% da imprensa está nas mãos de picaretas que fazem dela instrumentos para os seus interesses particulares(…)” Emendou afirmando que o Estadão não tem “relações de amizade com o sindicato dos patrões”. Explicou ainda que “os Mesquita não se misturam com essa gente” e que o jornalismo da sua família não tem a ver “com o que fazem os Civita (Abril), o senhor Frias de Oliveira (Grupo Folhas), o senhor Edmundo Monteiro (Diários Associados) e o senhor Roberto Marinho (O Globo)”.
A guerrilha de Lamarca, a revelação dos relatórios e a prisão dos jornalistas
Seguiram-se sete anos de capas e manchetes que marcaram época, entre elas “Morte no exílio”, descrevendo a comoção da chegada ao cemitério em São Borja do corpo do ex-presidente João Goulart; as memórias do conspirador Mourão Filho, o general que precipitou o golpe de 1964; a revelação que a ditadura já cassara os direitos de 4.682 brasileiros; e os relatórios do Exército sobre a guerrilha de Carlos Lamarca no Vale da Ribeira. Este último furo teve como consequência processo, condenação e prisão de quatro jornalistas – Elmar Bones, Rosvita Sauressig, Osmar Trindade e Rafael Guimaraens.
São as quatro grandes reportagens que constam da publicação especial, grampeada, com 52 páginas, a ser lançada no dia 13. “Foi feita a jato”, conta a designer gráfica Clô Barcellos. Autora do projeto gráfico do livro e CD “Coojornal – Um jornal de jornalistas sob o regime militar” (Libretos, 2011), ela defende como fundamental o resgate dessa memória da imprensa arrojada dos anos 1960/1970 antes que ela se perca. “E as novas gerações têm que aprender com esse material”, recomenda.
SERVIÇO:
50 anos do Coojornal
Painel sobre o legado e as lições do Coojornal
Com a participação dos jornalistas José Antonio Vieira da Cunha, Elmar Bones, Jorge Polydoro, Rafael Guimarães e Ayrton Centeno.
Apresentação de documentário, exposição de capas e venda de publicação especial
Onde: Plenarinho da Assembléia Legislativa/RS
Quando: Dia 13/11, quinta-feira, às 18h
Todas as 82 edições do Coojornal foram digitalizadas através de uma parceria que envolveu a Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos), da PUCRS, e a editora Libretos com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa/RS (Fapergs). Podem ser acessadas através do site nupecc.pucrs.br do Núcleo de Pesquisas em Ciências da Comunicação (Nupecc).
O painel que vai lembrar esta história terá a participação dos jornalistas Ayrton Centeno, Elmar Bones, Jorge Polydoro, José Antonio Vieira da Cunha e Rafael Guimaraens. Será às 18h, no Plenarinho da Assembleia Legislativa, que é uma das apoiadoras da iniciativa juntamente com a Associação Riograndense de Imprensa (ARI), Editora Libretos, Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS). A entrada é franca.
Fonte: Redação Jornal Brasil de Fato/RS | Editado por: Vivian Virissimo